sábado, 24 de abril de 2010

Eros e o Nascimento do Amor


O Olimpo está em festa. Nasceu a bela deusa do amor Afrodite (Vênus).

No fim da festa, sem ser convidada, surge Pênia, a Pobreza, em busca de mendigar os restos do banquete. Só que, antes de chegar à mesa, Pobreza se depara com a figura de Poros, o Recurso, filho da Prudência.

Percebe que o rapaz, embriagado, se retira para dormir um sono pesado. Pobreza planeja: quer ter um filho de Poros. Deita-se junto a ele, o toca, o desperta, e concebe o filho desejado: Eros, o Amor.

Eros nasce no dia do nascimento de Afrodite e para sempre será companheiro da Beleza. E para sempre terá um duplo aspecto. Já que da mãe herda a carência e o destino de andarilho. Do pai, a coragem, a decisão, a energia que o tornam astuto caçador, ávido do Belo e do Bem.

Das duas heranças reunidas decorre sua sina singular: nem mortal nem imortal. Ora germina e vive - quando enriquece. Ora morre e de novo renasce. Perenemente transita entre viver, morrer, ressuscitar.

Marcado pela carência que lhe transmite Pênia, ele não é sábio. Mas esforça-se para conhecer. Porque ama a sabedoria: Eros filosofa.


Eros - o deus do Amor - em uma das versões de seu nascimento. Filho da Pobreza, mostra-nos seu lado de permanente carência e incompletude, falta e fome, de busca. Filho de Recurso, traz seu aspecto de energia, abundância, conforto e apazigamento.

E assim nos chega o amor: enérgico e faminto, ávido de vida e de busca. Marca a própria essência da vida, da nossa existência: da riqueza do broto ao fim em paz de volta à terra.

Bibliografia:
Mitologia Vol. I - Coleção da Abril Cultural, 1973.

sábado, 17 de abril de 2010

O Cuidador e o Cuidar-se


"E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê Flor
flor e fruto
" (Wagner Tiso/Milton Nascimento)


Após a formatura, a psicóloga fica seis meses à procura de trabalho. Seis meses que se tornam longos e intermináveis. Que vontade de exercer logo a profissão após tanto estudo e vontade!

E planos mudam, novas cidades se apresentam, novas buscas e desafios, e chega a hora tão sonhada: o primeiro emprego fixo como psicóloga, após passar num concurso público.
Muitas demandas, diferentes possibilidades de atuação, o mergulho na atuação profissional traz mundos inesperados e descobertas indizíveis, dificuldades e delícias, um mundo imenso de prática, para além do mundo das idéias da faculdade. Incompletude do saber e um contínuo desejo de saber mais! E de mudar!

Eu tinha pensando em fazer filosofia no segundo grau (e a leitura de filosofia no atual momento de minha vida vem com um novo significado e tem me aberto mais ainda novas portas de compreensão do humano!), mas quis fazer psicologia porque sabia que essa profissão me possibilitaria dar de cara com a prática da vida, pois eu precisava ir além das idéias. E dei de cara com a vida com muita intensidade! A gente encontra o que procura, não tem jeito, e a luta é dura para dar conta daquilo que a gente escolheu.

E após dois anos e meio no mesmo trabalho (onde pude mudar de setores e experenciar diferentes possibilidades de atuação - como parece pouco dizer apenas 2 anos e meio diante de todo o vivido!) senti que era hora de mudar, por alguns motivos.

E foi hora de dar adeus aquele emprego que tanto me tinha sustentado (psiquicamente) e tanto me fez crescer, e tanto me fez estar ciente dos meus limites quanto psicóloga e quanto pessoa. O quanto questões sociais atravessam nosso trabalho, questões coletivas, trabalhistas, comunitárias, culturais, o quanto precisamos de outros profissionais para compartilhar dificuldades, conquistas, trocar idéias, buscar novos caminhos e alternativas para nossos impasses profissionais, criar novas estratégias de atuação, realizar projetos, inovar. O quanto foi importante descobrir a importãncia de trabalhar em rede, de se surpreender com as novas possibilidades que nos trazem novas sensações e novos leques de atuação. E o quanto o mundo pós-faculdade é MUITO MAIOR do que podíamos imaginar!

E ao fazer o exame admissional para o novo emprego, descubro que minha pressão está alta. O médico sugere que eu procure um bom clínico geral.

Ato I
Na primeira consulta, acordo triste. Teve um espaço de tempo entre o antigo emprego e o novo que iria vir, e não deixei de ficar ansiosa.
O clínico que também é cardiologista, me recebe com expressão séria, mede a pressão e avalia o quadro.
Ao ver a sala de espera dele lotada imagino o quanto deve ser difícil ser um médico com tamanha responsabilidade com o compromisso com a vida de tantas pessoas. Posso entendê-lo melhor por eu já ter atendido tanta gente num dia só (bem cansativo!), e ser uma profissional da saúde numa profissão que também lida com o desgaste emocional que faz parte do pacote do tipo de trabalho que escolhemos.

Nesse meio tempo entre uma consulta e outra, vi aquela série "Dr. House" e fiquei pensando nesse curioso drama de ser um profissional que cuida do outro e ao mesmo tempo precisa de cuidados por também ser humano, tendo todas as complexidades, e fragilidades, que um ser humano tem. É uma série muito interessante, em que o personagem central é um médico brilhante que consegue, com o apoio de uma equipe, descubrir diagnósticos de casos difíceis (quase como se fosse uma investigação policial). O médico da série tem uma expressão facial séria(sem deixar de ter seu carisma) e é viciado em analgésicos, após ter sofrido um acidente e ter tido problemas numa das pernas.

Ato II
Segunda consulta. Na sala de espera, a recepcionista ainda não chegou e o médico chega e pede para nós (os pacientes marcados)esperarmos ela. Um casal de idosos chega sorridente e pela conversa com outro paciente, descobrimos que o casal são pais do médico. A recepcionista chega, anuncia o casal que entra na sala e fica pouco tempo.
Eu fui uma das primeiras atendidas (diferentemente da primeira consulta, de acordo com as marcações respectivas), e desde o começo o médico mostra-se mais simpático.
Pergunta se eu estou trabalhando mais perto (mais uma vez, vou trabalhar em outra cidade - ele lembra dessa informação), digo que não agora que comecei lá. O médico diz que dessa vez meu rosto estava iluminado - ele percebeu que a volta ao trabalho - dessa vez um novo - me fez muito bem. Espero ter menos estresse, menos pressão, quem sabe isso me ajude a controlar essa pressão que às vezes fica alta? O médico se abre. Diz que trabalhou 12 anos (ou 15, ou mais - não me lembro bem) numa emergência, viu de tudo, e teve um período, há cerca de poucos anos trás, que começou a ter pesadelos, acordar com palpitação, suores, estava insuportável, segundo suas palavras. Diz que começou a tomar antidepressivos e isso o ajudou.

Senti que essa situação foi um ENCONTRO, mais que entre dois profissionais, um encontro entre duas pessoas, que por mais perfeccionistas que possam ser, se deparam com seus limites e sofrem com o desgate trabalhista do dia-a-dia. Falei um pouco sobre o meu sofrer com o meu trabalho através do meu corpo, e ele expõs sua fragilidade com suas palavras. Ora, admitir que não somos onipotentes nem salvadores, além de realista, já é uma forma de cuidado com a gente mesmo. Que alívio saber que somos falíveis - e não apenas nós, nós e outros, e podemos nos comunicar sobre isso, construir uma ponte. Lidar com o humano nos torna mais humanos e conscientes de nossa limitação.

Afinal, nós que temos o compromisso de cuidar, também precisamos de cuidados. Também sofremos às vezes (e de alguma forma) com o sofrimento das pessoas que cuidamos. E precisamos de válvulas de escape para isso, de modos de aliviar nosso sofrer também por estar tão em contato com a fragilidade e limitação do humano. Atividade artística, atividade física, meditação, leitura, podem ser formas de nos aliviar um pouco dessa carga.

Lembrei-me agora da mitologia de Quíron, que Jung diz que é o arquétipo do curador. Quíron é um personagem da mitoglogia grega que passou por muitos sofrimentos e, mesmo tendo se tornado mestre nas artes curativas, jamais conseguiu tratar de sua própria ferida. Por isso, era conhecido como o Curador Ferido. Outro dia volto a falar mais desse personagem tão interessante.

Cuidamos dos outros, e às vezes nos esquecemos de nós. Mas em algum momento, algo em nós se expressa e sinaliza que precisamos de cuidados. Somos humanos, e um dia vamos adoecer de alguma forma, e a morte vai nos levar, como leva a todos, inclusive a pessoas queridas a nós. A finitude é uma das situações que une toda a humanidade.

Que até lá, tenhamos, além de ter cuidado do outro, cuidado de nós mesmos, e ter tido uma boa qualidade de vida.

"Quiron traz em si a ferida e a cura, pois à medida em que vivenciamos nosso sofrimento e desamparo, tornamo-nos mais inteiros e curados, porque mais sábios e mais humildes."

domingo, 4 de abril de 2010

A Flor e a Transitoriedade


Nessa semana, foi notícia o florescimento das cerejeiras no Japão, flores que surgem uma vez ao ano e duram apenas uma semana, momento que é celebrado ao ar livre por lá, lembrando a preciosidade e transitoriedade da vida. Essa planta, chamada Sakurá pelos japoneses, é o símbolo da felicidade no Japão, e na época de seu florescimento, as crianças começam a escola e os recém-formados saem em busca de trabalho. O chá de pétalas de sakurá é utilizado em rituais como casamentos e ocasiões festivas.

Aqui no Brasil, podemos pensar no costume de dar flores em geral. Podemos ver que há presenteio de buquê de flores quando há nascimento de uma criança, assim como quando um homem quer conquistar uma mulher (seja num primeiro encontro ou após anos de casamento), assim como são enviadas coroas de flores quando há falecimento de um algum conhecido.

Vemos a presença das flores, portanto, em diferentes momentos da vida, no nascimento de uma pessoa, no nascimento (ou renascimento) do amor, na perda de alguém querida - na morte. A flor é um belo símbolo da transitoriedade, apontado que a vida implica em morte, e como as flores, um dia deixaremos de existir.

Há um texto poético de Freud chamado "Sobre a Transitoriedade" (vol. 14 das Obras Completas). Ele inicia o texto pelo relato de uma conversa com um amigo que também era poeta. Ao passearem pelo campo, num dia de verão, admiravam o esplendor da natureza. Contudo, o poeta admirava sem entusiasmo ou alegria, perturbado com o fato de que tudo aquilo estava destinado a morrer no inverno, da mesma forma que a beleza humana e todas as obras que fossem fruto do poder criativo dos homens sempre teriam um fim. Parecia-lhe que a transitoriedade tirava o valor daquilo que ele poderia amar ou admirar.

Freud, no entanto, acredita que a transitoriedade das coisas não tira o seu valor, do lado contrário, aumenta. Na sua visão, diferente da do amigo poeta, pelo fato daquela beleza um dia se extinguir, seu valor é aumentado. O famoso pensador se lamenta por não ter conseguido que o amigo se tocasse com suas considerações acerca da transitoriedade.

Freud então começa a questionar o que poderia ter levado o amigo a se fixar tanto nessa revolta contra a perda, e conclui que isso deveria estar ligado a nossa dificuldade de aceitar o luto, pela morte daquilo que amamos.

Somos muito apegados ao que amamos e nos é muito difícil dizer adeus ao que nos é muito precioso. Mesmo diante da guerra, que destrói vidas e lugares, Freud acredita ser possível manter nossa vontade de reconstrução mesmo diante do encontro com essa fragilidade da cultura - a destruição em massa.

Podemos supor que, ao nos darmos conta de nossas fragilidades - como da nossa dificuldade em nos desapegar das coisas, da nossa própria efemeridade, não precisamos recuar para o caminho da tristeza. Podemos, por outro lado, ficar mais cientes da transitoriedade e buscar lidar com as perdas e lutos com mais maturidade - já que fazem parte da vida, até que um dia possamos assumir nossa condição natural - sem tanta dor e pesar - de ser belos e efêmeros como a flor da cerejeira.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Silêncio diante do Real: a Partida e a Chegada


“Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos, não importa o nome que damos o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és...
E lembra-te:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.” (Fernando Pessoa)

Fiquei um tempo sem escrever. Mudanças aconteceram, me emudeceram, me fizeram silenciar para que em algum momento eu pudesse voltar a falar.

Tive que dizer adeus a algo que me era muito precioso. Contudo, já era hora de partir. Tudo tem seu fim. Mas não deixa de doer. Ainda sinto as mudanças e me dá uma nostalgia, como se fosse uma perda. Talvez seja mesmo, afinal de contas, como tanto repito, toda escolha implica em perda. O fim de um ciclo, uma etapa que termina, o conhecido e familiar que se vai para que um novo caminho possa adentrar em cena.

E o que vinha, veio e se foi. Mal cheguei, e já fui. E uma (mais uma!)nova situação se fez presente. Acabei de partir, e agora chego num novo lugar. Novas pessoas, novas possibilidades se abrem, novos planos, projetos e sonhos. E o principal é viver o agora, é batalhar, dar o melhor de si e ver que frutos serão colhidos com o passar do tempo.

Há situações que não se encaixam mais. E temos que ir em busca de novos caminhos mesmo. E então novos caminhos aparecem no novo mapa que traçamos para nós. E como é difícil aceitar que não temos tanto o controle das situações de nossas vidas. Que o imprevisível pode vir a qualquer hora e nos fazer enxergar rumos inesperados. E nos afetamos tanto! Quando vamos aprender a não nos afetar tão grandemente assim? Talvez tenhamos que aprender a ser humildes, de fato, e ver que a liberdade é encaixar nosso desejo na brecha que o universo nos permite. Não estamos tão sós, não estamos desconectados, mas fazemos parte de um todo bem maior que nós e temos que estar atentos para aprender nessa escola chamada vida.

Afinal, tudo que chega, chega sempre por alguma razão. Já dizia o grande poeta.