domingo, 24 de outubro de 2010

Gravidez e Trabalho


Tenho pensado nos fatores que podem ter influenciado no fato de minha gravidez estar sendo tão tranquila. Além de ter planejado, de ter o fundamental e carinhoso apoio diário de meu marido e parceiro de vida, creio que estar trabalhando bastante também tem me auxiliado nessa gestação.

Peraí! Trabalho e gravidez? Mas isso combina? Nossa sociedade muitas vezes propala que vida profissional fica de um lado e vida familiar/materna/pessoal de outro.

Eu tenho o privilégio de ter uma profissão - de psicóloga - que me acrescenta muito em minha vida pessoal, pois aprendo ao ser testemunha de tantas histórias, ao perceber forças e fragilidades que habitam um ser humano. ("Quem testemunha o faz por sua conta e risco, sem outra garantia senão a própria fala" - Romildo do Rêgo Barros.)

Vejo a dureza que é enfrentar diferentes etapas da vida: ida à faculdade, saída da casa dos pais; casamento; criação dos filhos; dificuldades na relação com o cônjuge e com familiares da família de origem; filhos crescendo e indo embora, estudar; problemas com relações no trabalho; filhos se casando, solidão que vem com a casa vazia de filhos, relação com o cônjuge nessa nova etapa; solidão com a viuvez; tristeza com as vulnerabilidades impostas pela velhice; sofrimento com perdas de pessoas queridas...

Enfim, uma infinidade de histórias de pessoas de diferentes faixas etárias que têm em comum o fato de ter que passar por mudanças e dar uma resposta a elas. Tanta beleza e tristeza em cada enredo de alguém que luta para existir nesse mundo tão repleto de desafios. A descoberta, não sem dor, de que não estamos tão no controle de nossas vidas, que há o imprevisível que pode vir a qualquer hora e mudar o rumo de nossas vidas, nos fazendo enfrentar situações inesperadas, ter que passar por mudanças. Mas a vida não é isso?

Creio que tudo isso tem me trazido uma tremenda bagagem de crescimento pessoal. Isso que sempre sonhei: entender o ser humano. Tanto que percebi a limitação da linha teória que escolhi - a Psicanálise, e tenho buscado a leitura de outras visões de mundo, por meio de filósofos antigos, filosofias orientais, até a linha fenomenológica-existencial que também tem muita base filosófica. Visões que me ajudem na compreensão do ser humano.

Ter tido contato com livros de sabedoria oriental (além de estar casada com um oriental), ter feito sessões de acupuntura e estar fazendo yoga (para gestantes) também me ensinam na busca de estar mais integrada a meu corpo, que como tantos outros corpos de pessoas que vivem por aqui, no Ocidente, são reflexo dessa nossa cultura ocidental que proriza a razão, o pensamento, e menospreza os sentidos como algo inferior, com isso nos alienando de uma parte importante do que somos também: nosso corpo. Corpo que apresenta sintomas que expressam sua subjetividade, como tanto tenho visto no meu trabalho num ambulatório de saúde.

E a gravidez nisso tudo? Para além de uma experiência de pensamento, é sobretudo uma experiência de corpo, de experimentação de novas sensações corporais que vão se manifestando. Uma vivência muito nova, muito particular, que se inscreve numa teia de relações que vão influenciar esse período tão especial na vida de toda mulher. E o ambiente de trabalho se insere nessa rede de relações.

Estar na ativa, trabalhando, me faz sentir agente no mundo, acompanhando as mudanças nas pessoas que atendo, e me proporciona muita satisfação e realização. Acho que desde já mostro a meu filho que tenho outros importantes investimentos em minha vida, que creio ser uma sinal de saúde, para mim e para ele (na psicologia estudamos o quanto uma mãe que faz do seu filho "o seu tudo" pode ser prejudicial, o que já vi muito na prática profissional também...)

É claro que após o nascimento, as coisas não continuarão iguais, será uma outra etapa de minha vida afetiva, familiar e porque não dizer profissional. Mas por enquanto, o trabalho tem me vivificado, ver os colegas de trabalho se preocupando comigo e me perguntado do bebê. Obviamente, às vezes me sinto cansada, com vontade de largar tudo, de não ter que acordar tão cedo, de não ter que chegar tão tarde em casa, de ter mais tempo para me dedicar às coisas que tenho que resolver para preparar o espaço para essa nova vida. Mas sempre conseguimos um tempo, de alguma forma, e ansiamos com todo o amor do mundo que essa nova vida chegue com saúde. E que a vida profissional também siga o seu rumo.

sábado, 23 de outubro de 2010

COMER, REZAR, AMAR - a busca de um propósito

Há quase uma semana, vi o filme "Comer, Rezar, Amar" e gostei. Logo que vi o filme em exibição lembrei desse título que já me atraía na livraria, apesar de nunca ter folheado o livro.

Fui ver achando que poderia ser um filme leve, uma comédia romântica açucarada com a Julia Roberts. Contudo, não foi o que vi.

É uma história simples, real, de uma mulher que tinha tudo para ser considerada "feliz" e bem-sucedida pela sociedade, mas que, a partir de suas inquietudes, correu atrás de mudanças para que realmente pudesse encontrar um sentido para sua existência.

Não há como não nos identificarmos com momentos da personagem em busca do difícil encontro consigo mesma. Há um bela cena na Itália em que ela está num monumento antigo e acaba fazendo uma analogia consigo mesma: apesar de estar em ruínas, não houve desabamento, mas resistência ao tempo e até expansão. A partir do caos que ela experimentou, ela pode ir em busca de expandir sua vida, tendo novas experiências e vivências.

Nietzsche já dizia: "É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante" A partir das ruínas em que possamos nos encontrar - tristeza, dores, frustrações, sensação de fracasso por não nos sentir feliz como gostaríamos - é possível surgir um grande impulso que nos move em direção ao novo, a grandes navegações, viagens e conquistas. Quando temos coragem de sair da zona de conforto e procurar um propósito maior na vida. Quando saímos do comodismo e vamos além.

Ao longo das viagens que realizou, Liz encontrou novas pessoas, fez laços de amizade. Isso acontece também quando mudamos de casa, de cidade, de estado civil, de emprego, etc. Lembro da idéia de uma professora psicanalista que é parecida com o que Viviane Mosé disse no programa Conexão Roberto D´avila: "Não sou eu que me sustento, é a rede de relações que eu construo ao longo da vida que me sustenta - na família, trabalho, amizades."

E é na Índia que Liz vai encontrar esse propósito que tanto ansiava. Muitos pensam que se auto-conhecer implica em se isolar, fugir do mundo, viver no deserto. Mas nada adianta, se após a reclusão (na forma que for, se houver), não se voltar ao mundo, pois é necessário uma ação no mundo, ser agente no mundo, que envolve o relacionamento com outras pessoas.

Na vivência de uma espiritualidade que realmente nos re-ligue ao divino, podemos experimentar uma sensação de fraternidade com toda humanidade, independente de credo, raça, religião. Poder nos abrir à compreensão e à torcida pelos outros, outro que também somos nós. Essa conexão nos possibilita nos sentir integrados e fazendo parte de um todo que nos dá significado e sentido à nossa vida.

Com isso, vamos vendo que não precisamos resitringir nossa felicidade à determinado lugar ou na convivência com determinadas pessoas. Aonde quer que formos, encontraremos pessoas as quais nos ligar afetivamente, que podem se tornam grandes amigos ou companheiros de caminhada, com quem possamos simplesmente conviver.

Basta que estejamos abertos a isso, aprendendo com as mudanças, ampliando nossa rede, sem apagar o quanto foi ganho com a troca que tivemos com outras pessoas que passaram por nossas vidas e que também buscavam um significado.

O filme, enfim, conta o relato pessoal de alguém que precisou de viagens pelo mundo para se encontrar. Mas o que podemos pensar é que cada uma terá seu modo pessoal de encontrar o seu sentido singular para as resposta que anseia para sua vida. Para uns, a vida precisa levar para bem longe de seus laços inicias. Para outros, basta viver a vida inteira no mesmo lugar. Afinal, a maior viagem é a interna, as mudanças apenas podem desencadear as transformações que precisamos vivenciar internamente.

Cada um construirá seu próprio caminho, terá sua descoberta pessoal acerca de qual sentido e significado terá sua existência, ou seja, aquilo que realmente faz valer a pena a vida que vivemos.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Pré-história de um novo ser

Fiquei pensando no porquê de não estar falando muito de minha gravidez nesse blog. Nunca tive a intenção de me expor muito, sobretudo expor uma criança que ainda nem chegou ao mundo. Resolvi escrever esse blog com a idéia inicial de pensar sobre idéias que possibilitem uma reflexão sobre a existência humana, mas tenho visto que é inevitável expor um pouco de mim. E esse momento tão sagrado e especial que é a maternidade, a história e pré-história de um ser que virá ao mundo, não pode ficar de fora dessas reflexões.

Quando será que podemos dizer que nasce a história de um filho? Será que teria um ponto de origem?

Uma coisa vejo como certa: esse ponto inicial não seria apenas a fecundação, o momento em que o espermatozóide e o óvulo se encontram. Há toda uma pré-história, e como o nome mesmo já diz, anterior a esse momento, que influenciará esse novo ser que está sendo gestado. E de repente, podemos deixar de lado o termo pré-história e usar o “história”.

Será que a história de um ser nasce no momento em que o casal se encontra e faísca aquela chama inicial que um dia se tornará um amor solidificado? Será que essa história nasce a partir do momento em que os pais ainda são crianças e começam a serem “humanizados” a partir do relacionamento que estabelecem os próprios pais?

Outra hipótese: que essa história do novo ser se encontra dentro de uma história bem maior, das duas famílias dos membros do casal, que tiveram suas vivências, alegres e sofridas, ao longo de muitas e muitas gerações? De uma história mais ampla ainda, da cultura, religião, das tradições, do país (ou países) de origem de familiares dessas famílias?

Nessa época de intenso individualismo propalado pela cultura, não podemos deixar de transmitir para as novas gerações nossa “dívida com o simbólico”, ou seja, não viemos do nada, mas temos toda uma constelação familiar (no caso duas que se uniram no casal parental), e, mais amplo que isso, uma cultura e sociedade que influenciam no modo como sonhamos, desejamos e como educaremos esse novo ser. Assim como os cortes, as rupturas, as mudanças que efetuemos quanto a nossas famílias.

Portanto, a história de uma criança também está ligada a forma como cada pai lida com sua família, como o casal se conheceu e construiu esse amor, como essa nova família foi se construindo, que desafios teve que enfrentar e que dificuldades superar. Como foi o planejamento ou não desse fruto do amor do casal, como reagiram desde a notícia do teste positivo da gravidez.

Também é importante como tem sido a gestação, o que a mãe tem sonhado, imaginado, sentido. Como o companheiro a tem apoiado – fator esse muito importante para o processo da gravidez. Muito se fala da mulher, se associa a gestação com o feminino, e é óbvio que é a mulher que está tendo toda uma transformação em seu corpo e suas emoções, mudanças essas que o homem não sente na pele. Até o nome dos cursos para os novos papais parece restringir essa responsabilidade que deve ser compartilhada desde o início: “Curso para gestante”; porque não “Curso para família grávida, para pais?”.

A felicidade do pai desde o momento que sabe da notícia da gravidez pode fazer com que a gestante desde o início sinta esse apoio que será essencial durante todo o período da gravidez e após o nascimento, e podemos dizer até durante todo o desenvolvimento da criança e de sua vida. Poder oferecer uma referência masculina, paterna à criança é fundamental em seu crescimento e amadurecimento. E é do desejo de dois que um novo ser pode nascer, algumas psicanalista que estudam bebês dizem que, na verdade, é do desejo de três que o bebê pode nascer: desejo do pai, da mãe e do próprio bebê, que já é um sujeito de desejo.

Assusta-me esse pensamento contemporâneo de que a mulher pode realizar uma “produção independente”, como se gerar um novo ser fosse produto de um mero capricho individualista, ao invés de considerar a criação de uma nova vida como capaz de ser nomeada como pertencendo a toda uma pré-história de dois seres que se uniram, se amaram e estão à espera de consolidar uma nova família. Claro que há outras situações em que há uma gestação, mas no geral creio que acontece isso que mencionei anteriormente.