quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Beleza Suave dos Retoques Finais


Estar na fase final da gestação. Friozinho na barriga ao pensar no parto e na grande mudança que a maternidade trará; inchaço visível nos pés (tem dia que parece uma pata de elefante!); programando o chá-de-bebê; ansiedade ao esperar os resultados de mais uma bateria de exames – esperando que continuem todos nos parâmetros normais; expectativa para que tudo continue correndo dentro da normalidade, que um parto ativo natural seja em breve possível; enxoval quase todo pronto (depois de muitos presentes sobretudo das avós corujíssimas), muita respiração na yoga para relaxar nesse período novo e finalizante da gravidez...


E hoje achei bonito quando me disseram que estou na “fase da beleza”. “Que bonito!” - falei. “Nunca ouvi falar isso, o que isso quer dizer?” Contaram-me então que essa é a fase da beleza porque é nesta fase final da gestação que estão sendo feitos os retoques finais na criança, os últimos detalhes estão sendo lapidados, sendo feito o acabamento final, terminando as unhinhas, os fiozinhos de cabelos (se não nascer careca como eu!), etc. Achei muito poético, como se a vida, a Natureza, Deus – como quer que chamemos – estivesse fazendo seu trabalho completo, com precisão e delicadeza, como um artesão que vai terminando os acabamentos finais de sua obra de arte tão amada (apesar de que, no caso do ser humano, esses retoques serão por toda a vida, essas mudanças serão por toda a vida...). É o milagre da vida sendo realizado suavemente, com ternura e sofisticação.

É curioso como a gravidez é uma experiência tão particular em nossas vidas. Cada fase é tão diferente da outra e cada uma contém sua beleza própria. Podemos pensar que além de estarmos gestando um novo ser, é como se estivéssemos também gestando a mãe que seremos. Será que também estamos dando os retoques finais na mãe que seremos? Ou melhor, dando os retoques finais na mãe iniciante que seremos, mãe essa que só a experiência diária, prática, poderá lapidar no cotidiano da grande mudança chamada maternidade?

Outro dia li um livro muito bom do Winnicott chamado "Os Bebês e suas Mães" em que ele enfatiza que os profissionais têm que ter cuidado ao orientar às mães com seus recém-nascidos, pois ele acredita que, em geral, elas já sabem “naturalmente, intuitivamente” o que fazer, e uma orientação pode deixá-las inseguras ao pensar racionalmente naquilo que elas podem fazer com naturalidade. A confiança de um profissional tão entendido no assunto como esse pediatra que foi psicanalista e psiquiatra infantil pode nos trazer um acalento que torna essa fase de espera mais bela. Afinal, ele, belamente, confia que nós saberemos, intuitivamente e naturalmente, ser uma "mãe suficientemente boa" * Tomara!


Falando em beleza, creio que a gravidez contém em si uma beleza sem tamanho. A beleza de ser portadora do milagre de uma nova vida. A beleza das transformações corporais, dos hormônios à flor da pele, da sensação de saúde que a gravidez pode nos trazer, ao nos dar até mais disposição para fazer as coisas. A beleza, suave, de aos poucos ir se acostumando com a ideia de em breve ter um novo membro familiar em nosso lar, a certeza de que a vida e nossas prioridades jamais serão as mesmas.


A beleza de estar na iminência de uma experiência totalmente nova, complexa, em que não podemos supor as sensações que teremos, as emoções que serão experimentadas. A beleza de se entregar ao imprevisto, como se estívessemos subindo uma montanha muito alta, ou se jogando num vôo de um lugar bem alto, sem ter ideia da assustadora, gigantesca e maravilhosa paisagem que nos espera à frente. Diante da beleza tão indescritível como a da maternidade, só nos resta o grande desafio de subir a montanha, de nos atirar nesse vôo tão cheio de aventura, que não terá mais volta. Será uma aventura pro resto de nossas vidas.

* Segundo Winnicott, a mãe suficientemente boa (não necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração. (Winnicott, 1971)

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