sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Mudando pequenos pedaços

Tem hora que as coisas estão bagunçadas... e temos que dar uma arrumada nos papéis, livros, lembranças. Mudar pequenos pedaços de objetos que gritam por todos os lados a pessoa que já fomos, que tentamos ser ou que éramos diante do sonho do futuro.


E é impossível arrumar antigo material de estudo, contas, pedacinhos de papéis, cartas de amizade, sem parar um pouco e ter novos olhares sobre o passado. A pureza e sabedoria espontanea de um texto do diário feito aos 10 anos falando sobre independência, os relatos do começo da vida profissional, um relatório forte que marcou uma importante etapa de sua vida profissional.

Aquela ingênua redação do colégio escrita no segundo grau que recebeu elogios da professora.
A antiga caxinha de música, já amarelada, que parecia que não mas toca de novo aquela doce melodia, tocando, além do som, o fundo do coração.

Poesias e músicas marcantes. Uma linda canção de espera pelo amor. Aquela foto de você bebê, esse bebê que ainda vive em você e que a ajuda a se aproximar de sua herança. A serenidade de enxergar as conquistas, a potencialidade de realizar sonhos e enfrentar dores.

Alguém chega e diz: joga um pouco disso fora. Mas, como? O que conseguimos jogar fora pode ser bem pouco. Como jogar fora esses pedacinhos de lembrança que mostram um pouquinho de nossa caminhada na vida?

O que consigo é mudar meus pequenos pedaços de lugar, de ordem, de companhia, de olhar. Afinal, não é isso o que conseguimos na vida? Não somos de capazes de mudar totalmente quem somos, mas temos potencial de reorganizar pedaços que indicam quem somos, a partir daquilo de que fomos feitos.

Isso me lembrou uma aula de psicanálise da pós-graduação em que a professora disse que no término de análise (quando o paciente receberia alta do tratamento psicanalítico), não chegamos a um ponto de nos tornamos uma outra pessoa, tão diferente do que já fomos. Chegamos sim a identificar de que somos feitos, da forma como fomos "pintados" e como "pintamos" a tela de nossa existência. Não podemos mudar a pintura do nosso caminhar, mas somos capazes de trocar a moldura com a qual olhamos a vida e o mundo. O que já é muito e nos propicia realizar mudanças significativas na vida.

Talvez por isso não consigo me livrar de meus pequenos pedaços: eles são meus, eles falam de mim, dando pistas de minha trajetória nessa difícil e deliciosa vida. Só posso rearranjá-los para poder seguir em frente com mais ternura, assumindo com coragem a dor que a vida também comporta.

Enfim, para olhar para frente, precisamos lembrar do quanto conquistamos e tropeçamos para seguir mais livres na caminhada, livres para criar novos espaços, novos mosaicos com nossos pequeninos pedaços de ontem, de hoje e de amanhã.

"Eu ontem joguei tanta coisa fora
Eu vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora
A casa fica bem melhor assim"

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