sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Revisão: Mudanças, Coragem para o Vôo 2011



É interessante como essa blogsfera nos propicia tanta coisa positiva: refletir sobre temas importantes, buscar informações, conhecer experiências enriquecedoras de outras pessoas, dentre outras coisas.

Em termos pessoais, pode ser uma forma de utilizar a escrita para dar uma forma às nossas angústias, dificuldades, alegrias, conquistas. Tentar elaborar as tantas mudanças que nos acontecem no dia-a-dia e que nos fazem pensar sobre nossa existência.

Dando uma olhada geral no meu blog até agora, percebo que posso fazer uma revisão do meu ano apenas relendo os textos escritos. Sempre gostei de escrever para pensar na minha vida, acho que desde que era adolescente, e neste ano tive a chance de compartilhar com outras pessoas meus pensamentos e experiências por meio desse blog. Tento, talvez às vezes sem tanto sucesso, escrever de formas gerais para que outras pessoas possam se identificar com minhas vivências, para que não fique uma coisa apenas pessoal. Afinal, mudanças ocorrem na vida de todos nós, apesar de cada ser apreender a mudança de sua forma própria.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Beleza Suave dos Retoques Finais


Estar na fase final da gestação. Friozinho na barriga ao pensar no parto e na grande mudança que a maternidade trará; inchaço visível nos pés (tem dia que parece uma pata de elefante!); programando o chá-de-bebê; ansiedade ao esperar os resultados de mais uma bateria de exames – esperando que continuem todos nos parâmetros normais; expectativa para que tudo continue correndo dentro da normalidade, que um parto ativo natural seja em breve possível; enxoval quase todo pronto (depois de muitos presentes sobretudo das avós corujíssimas), muita respiração na yoga para relaxar nesse período novo e finalizante da gravidez...

sábado, 18 de dezembro de 2010

Gravidez e Mudança


Depois de tantas mudanças abruptas que tinham acontecido em minha vida, essa eu não queria que seguisse o mesmo ritmo. Essa foi minha escolha, e a Natureza me ajudou nisso.

E nem pudia imaginar o quanto de mudanças a gravidez traria em minha vida, mudanças significativas que acrescentam um especial e singular amadurecimento.

Mudanças não relacionadas a enjôos nem vômitos, nem mal-estares, apesar do espanto de algumas pessoas ao redor por ausência desses sintomas típicos (será?) de gravidez. Mudanças não relacionadas a uma curiosidade gigantesca de saber o sexo nem ao desejo de fazer um milhão de ultra-sons (você ainda não sabe o sexo, ainda não fez outro ultra-som? – mais espanto!). É engraçado como alguns ficam mais curiosos que nós em relação a nossa gravidez.

Mudanças não relacionadas a uma gravidez com data marcada para a cesária e mais espanto ainda de algumas pessoas (mesmo sendo profissionais de saúde) – "Que coragem, você vai tentar o parto normal?" – como se eu fosse um ET, vindo diretamente de outro planeta, por querer vivenciar algo natural pelo qual várias mulheres já passaram.

Mães pro Futuro

Eu tive a honra de receber o selo da minha querida amiga Carol que escreve o blog - http://www.whatmommyneeds.net/. Ao ler os textos de qualidade da Carol, dentre outros blogs que já havia lido também, me inspirei para escrever sobre um tema que mexesse comigo e sobre o qual outras pessoas pudiam estar sendo afetadas também.



Os textos da Carol tem me ajudado nesse momento especial que é a maternidade, a maior mudança que começou a se instalar em minha vida com grande força neste ano de 2010. Através do site dela, conheci outros blogs de mães e sites muito interessantes relacionadas ao parto humanizado que tem me ajudado a pensar sobre esse tema.

Agora, quero presentear outras mães pro futuro:

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Aprendendo com Mudanças



Não tem jeito: vai chegando o fim de ano e acabamos por fazer uma revisão do ano. Mais que isso, podemos ampliar o olhar e pensar nos últimos anos de nossa vida, ainda mais ao sentir que uma nova etapa está por vir e uma outra se encerra. Vão aqui pensamentos que surgiram após tantas mudanças do últimos anos.


TRABALHO

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Nascer e Morrer: proximidade de duas experiências

Quando criança, as primeiras experiências de que me lembro de morte de um ente querido e de vida/ nascimento de um membro da família foram bem próximas uma da outra, no mesmo ano, num mês após o outro.

E hoje em dia tenho pensando no quanto essas duas experiências muitas vezes se aproximam na forma como são tratadas pela cultura.

Tive estágios na faculdade e matérias que faziam refletir sobre essa temática, sobretudo o da morte. Tenho ainda hoje um livro que comprei "Morte e desenvolvimento humano" que fala de como a situação da morte era encarada de forma diferente em épocas diferentes e de como a morte está presente em nossa vida desde que nascemos.

Em pesquisas que participei na faculdade, refletiamos acerca dessa nossa cultura do capitalismo que estimula o sucesso, o ter, o consumismo, enquanto tenta esconder a morte, negá-la, deixando relegada ao vazio do hospital como se essa situação não fizesse parte da existência humana ao longo de toda sua história.

Atualmente, tenho lido muito sobre parto humanizado (idéias que também tinha tido contato na faculdade), em pesssoas questionando essa onda da cultura atual de fazer cesárias sem necessidade e partos com intervenções desnecessárias que prejudicam esse momento tão precioso da vida humana.

Comecei a pensar no quanto o "nascer" e o "morrer" foram vistos de formas diferentes ao longo de diferentes épocas de nossa cultura ocidental. Em outros tempos, as pessoas nasciam em casa. E em casa, davam o seu último suspiro.

E hoje? Hoje, em geral, nascem cercados de procedimentos na frieza e impessoalidade de um hospital, e nesse mesmo local, chegam a falecer. Temos ouvido todo um discurso que acentua a importância do atendimento humanizado em saúde, e dentre outras coisas, esboça-se um retorno à morte e ao nascimento em casa, ou ao menos, sem tanta desumanização como tem acontecido nos hospitais.

Podemos dizer que estamos num processo de questionamento dessa era tecnológica que esconde processos tão importantes - e naturais da existência - como o nascer e o morrer num ambiente inóspito como o hospital.

Mas como mudar isso, se já estamos tão mergulhados nessa cultura? Como ampliar nossa consciência e conseguir agir no mundo para que possamos produzir nascimentos mais ativos e menos invasivo (que vão influenciar positivamente na subjetividade do novo ser), e como propiciar que a morte possa chegar com mais serenidade (e com naturalidade), não esquecendo que ambos - nascer e morrer - são processos naturais da vida?

"Nascimento e morte são meros parentesis na história sem fim da criação." (Deepak Chopra)

domingo, 24 de outubro de 2010

Gravidez e Trabalho


Tenho pensado nos fatores que podem ter influenciado no fato de minha gravidez estar sendo tão tranquila. Além de ter planejado, de ter o fundamental e carinhoso apoio diário de meu marido e parceiro de vida, creio que estar trabalhando bastante também tem me auxiliado nessa gestação.

Peraí! Trabalho e gravidez? Mas isso combina? Nossa sociedade muitas vezes propala que vida profissional fica de um lado e vida familiar/materna/pessoal de outro.

Eu tenho o privilégio de ter uma profissão - de psicóloga - que me acrescenta muito em minha vida pessoal, pois aprendo ao ser testemunha de tantas histórias, ao perceber forças e fragilidades que habitam um ser humano. ("Quem testemunha o faz por sua conta e risco, sem outra garantia senão a própria fala" - Romildo do Rêgo Barros.)

Vejo a dureza que é enfrentar diferentes etapas da vida: ida à faculdade, saída da casa dos pais; casamento; criação dos filhos; dificuldades na relação com o cônjuge e com familiares da família de origem; filhos crescendo e indo embora, estudar; problemas com relações no trabalho; filhos se casando, solidão que vem com a casa vazia de filhos, relação com o cônjuge nessa nova etapa; solidão com a viuvez; tristeza com as vulnerabilidades impostas pela velhice; sofrimento com perdas de pessoas queridas...

Enfim, uma infinidade de histórias de pessoas de diferentes faixas etárias que têm em comum o fato de ter que passar por mudanças e dar uma resposta a elas. Tanta beleza e tristeza em cada enredo de alguém que luta para existir nesse mundo tão repleto de desafios. A descoberta, não sem dor, de que não estamos tão no controle de nossas vidas, que há o imprevisível que pode vir a qualquer hora e mudar o rumo de nossas vidas, nos fazendo enfrentar situações inesperadas, ter que passar por mudanças. Mas a vida não é isso?

Creio que tudo isso tem me trazido uma tremenda bagagem de crescimento pessoal. Isso que sempre sonhei: entender o ser humano. Tanto que percebi a limitação da linha teória que escolhi - a Psicanálise, e tenho buscado a leitura de outras visões de mundo, por meio de filósofos antigos, filosofias orientais, até a linha fenomenológica-existencial que também tem muita base filosófica. Visões que me ajudem na compreensão do ser humano.

Ter tido contato com livros de sabedoria oriental (além de estar casada com um oriental), ter feito sessões de acupuntura e estar fazendo yoga (para gestantes) também me ensinam na busca de estar mais integrada a meu corpo, que como tantos outros corpos de pessoas que vivem por aqui, no Ocidente, são reflexo dessa nossa cultura ocidental que proriza a razão, o pensamento, e menospreza os sentidos como algo inferior, com isso nos alienando de uma parte importante do que somos também: nosso corpo. Corpo que apresenta sintomas que expressam sua subjetividade, como tanto tenho visto no meu trabalho num ambulatório de saúde.

E a gravidez nisso tudo? Para além de uma experiência de pensamento, é sobretudo uma experiência de corpo, de experimentação de novas sensações corporais que vão se manifestando. Uma vivência muito nova, muito particular, que se inscreve numa teia de relações que vão influenciar esse período tão especial na vida de toda mulher. E o ambiente de trabalho se insere nessa rede de relações.

Estar na ativa, trabalhando, me faz sentir agente no mundo, acompanhando as mudanças nas pessoas que atendo, e me proporciona muita satisfação e realização. Acho que desde já mostro a meu filho que tenho outros importantes investimentos em minha vida, que creio ser uma sinal de saúde, para mim e para ele (na psicologia estudamos o quanto uma mãe que faz do seu filho "o seu tudo" pode ser prejudicial, o que já vi muito na prática profissional também...)

É claro que após o nascimento, as coisas não continuarão iguais, será uma outra etapa de minha vida afetiva, familiar e porque não dizer profissional. Mas por enquanto, o trabalho tem me vivificado, ver os colegas de trabalho se preocupando comigo e me perguntado do bebê. Obviamente, às vezes me sinto cansada, com vontade de largar tudo, de não ter que acordar tão cedo, de não ter que chegar tão tarde em casa, de ter mais tempo para me dedicar às coisas que tenho que resolver para preparar o espaço para essa nova vida. Mas sempre conseguimos um tempo, de alguma forma, e ansiamos com todo o amor do mundo que essa nova vida chegue com saúde. E que a vida profissional também siga o seu rumo.

sábado, 23 de outubro de 2010

COMER, REZAR, AMAR - a busca de um propósito

Há quase uma semana, vi o filme "Comer, Rezar, Amar" e gostei. Logo que vi o filme em exibição lembrei desse título que já me atraía na livraria, apesar de nunca ter folheado o livro.

Fui ver achando que poderia ser um filme leve, uma comédia romântica açucarada com a Julia Roberts. Contudo, não foi o que vi.

É uma história simples, real, de uma mulher que tinha tudo para ser considerada "feliz" e bem-sucedida pela sociedade, mas que, a partir de suas inquietudes, correu atrás de mudanças para que realmente pudesse encontrar um sentido para sua existência.

Não há como não nos identificarmos com momentos da personagem em busca do difícil encontro consigo mesma. Há um bela cena na Itália em que ela está num monumento antigo e acaba fazendo uma analogia consigo mesma: apesar de estar em ruínas, não houve desabamento, mas resistência ao tempo e até expansão. A partir do caos que ela experimentou, ela pode ir em busca de expandir sua vida, tendo novas experiências e vivências.

Nietzsche já dizia: "É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante" A partir das ruínas em que possamos nos encontrar - tristeza, dores, frustrações, sensação de fracasso por não nos sentir feliz como gostaríamos - é possível surgir um grande impulso que nos move em direção ao novo, a grandes navegações, viagens e conquistas. Quando temos coragem de sair da zona de conforto e procurar um propósito maior na vida. Quando saímos do comodismo e vamos além.

Ao longo das viagens que realizou, Liz encontrou novas pessoas, fez laços de amizade. Isso acontece também quando mudamos de casa, de cidade, de estado civil, de emprego, etc. Lembro da idéia de uma professora psicanalista que é parecida com o que Viviane Mosé disse no programa Conexão Roberto D´avila: "Não sou eu que me sustento, é a rede de relações que eu construo ao longo da vida que me sustenta - na família, trabalho, amizades."

E é na Índia que Liz vai encontrar esse propósito que tanto ansiava. Muitos pensam que se auto-conhecer implica em se isolar, fugir do mundo, viver no deserto. Mas nada adianta, se após a reclusão (na forma que for, se houver), não se voltar ao mundo, pois é necessário uma ação no mundo, ser agente no mundo, que envolve o relacionamento com outras pessoas.

Na vivência de uma espiritualidade que realmente nos re-ligue ao divino, podemos experimentar uma sensação de fraternidade com toda humanidade, independente de credo, raça, religião. Poder nos abrir à compreensão e à torcida pelos outros, outro que também somos nós. Essa conexão nos possibilita nos sentir integrados e fazendo parte de um todo que nos dá significado e sentido à nossa vida.

Com isso, vamos vendo que não precisamos resitringir nossa felicidade à determinado lugar ou na convivência com determinadas pessoas. Aonde quer que formos, encontraremos pessoas as quais nos ligar afetivamente, que podem se tornam grandes amigos ou companheiros de caminhada, com quem possamos simplesmente conviver.

Basta que estejamos abertos a isso, aprendendo com as mudanças, ampliando nossa rede, sem apagar o quanto foi ganho com a troca que tivemos com outras pessoas que passaram por nossas vidas e que também buscavam um significado.

O filme, enfim, conta o relato pessoal de alguém que precisou de viagens pelo mundo para se encontrar. Mas o que podemos pensar é que cada uma terá seu modo pessoal de encontrar o seu sentido singular para as resposta que anseia para sua vida. Para uns, a vida precisa levar para bem longe de seus laços inicias. Para outros, basta viver a vida inteira no mesmo lugar. Afinal, a maior viagem é a interna, as mudanças apenas podem desencadear as transformações que precisamos vivenciar internamente.

Cada um construirá seu próprio caminho, terá sua descoberta pessoal acerca de qual sentido e significado terá sua existência, ou seja, aquilo que realmente faz valer a pena a vida que vivemos.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Pré-história de um novo ser

Fiquei pensando no porquê de não estar falando muito de minha gravidez nesse blog. Nunca tive a intenção de me expor muito, sobretudo expor uma criança que ainda nem chegou ao mundo. Resolvi escrever esse blog com a idéia inicial de pensar sobre idéias que possibilitem uma reflexão sobre a existência humana, mas tenho visto que é inevitável expor um pouco de mim. E esse momento tão sagrado e especial que é a maternidade, a história e pré-história de um ser que virá ao mundo, não pode ficar de fora dessas reflexões.

Quando será que podemos dizer que nasce a história de um filho? Será que teria um ponto de origem?

Uma coisa vejo como certa: esse ponto inicial não seria apenas a fecundação, o momento em que o espermatozóide e o óvulo se encontram. Há toda uma pré-história, e como o nome mesmo já diz, anterior a esse momento, que influenciará esse novo ser que está sendo gestado. E de repente, podemos deixar de lado o termo pré-história e usar o “história”.

Será que a história de um ser nasce no momento em que o casal se encontra e faísca aquela chama inicial que um dia se tornará um amor solidificado? Será que essa história nasce a partir do momento em que os pais ainda são crianças e começam a serem “humanizados” a partir do relacionamento que estabelecem os próprios pais?

Outra hipótese: que essa história do novo ser se encontra dentro de uma história bem maior, das duas famílias dos membros do casal, que tiveram suas vivências, alegres e sofridas, ao longo de muitas e muitas gerações? De uma história mais ampla ainda, da cultura, religião, das tradições, do país (ou países) de origem de familiares dessas famílias?

Nessa época de intenso individualismo propalado pela cultura, não podemos deixar de transmitir para as novas gerações nossa “dívida com o simbólico”, ou seja, não viemos do nada, mas temos toda uma constelação familiar (no caso duas que se uniram no casal parental), e, mais amplo que isso, uma cultura e sociedade que influenciam no modo como sonhamos, desejamos e como educaremos esse novo ser. Assim como os cortes, as rupturas, as mudanças que efetuemos quanto a nossas famílias.

Portanto, a história de uma criança também está ligada a forma como cada pai lida com sua família, como o casal se conheceu e construiu esse amor, como essa nova família foi se construindo, que desafios teve que enfrentar e que dificuldades superar. Como foi o planejamento ou não desse fruto do amor do casal, como reagiram desde a notícia do teste positivo da gravidez.

Também é importante como tem sido a gestação, o que a mãe tem sonhado, imaginado, sentido. Como o companheiro a tem apoiado – fator esse muito importante para o processo da gravidez. Muito se fala da mulher, se associa a gestação com o feminino, e é óbvio que é a mulher que está tendo toda uma transformação em seu corpo e suas emoções, mudanças essas que o homem não sente na pele. Até o nome dos cursos para os novos papais parece restringir essa responsabilidade que deve ser compartilhada desde o início: “Curso para gestante”; porque não “Curso para família grávida, para pais?”.

A felicidade do pai desde o momento que sabe da notícia da gravidez pode fazer com que a gestante desde o início sinta esse apoio que será essencial durante todo o período da gravidez e após o nascimento, e podemos dizer até durante todo o desenvolvimento da criança e de sua vida. Poder oferecer uma referência masculina, paterna à criança é fundamental em seu crescimento e amadurecimento. E é do desejo de dois que um novo ser pode nascer, algumas psicanalista que estudam bebês dizem que, na verdade, é do desejo de três que o bebê pode nascer: desejo do pai, da mãe e do próprio bebê, que já é um sujeito de desejo.

Assusta-me esse pensamento contemporâneo de que a mulher pode realizar uma “produção independente”, como se gerar um novo ser fosse produto de um mero capricho individualista, ao invés de considerar a criação de uma nova vida como capaz de ser nomeada como pertencendo a toda uma pré-história de dois seres que se uniram, se amaram e estão à espera de consolidar uma nova família. Claro que há outras situações em que há uma gestação, mas no geral creio que acontece isso que mencionei anteriormente.

sábado, 25 de setembro de 2010

Sofrimento e Mudança

Freud (1930, O Mal-estar na civilização) diz que todos nós enquanto humanos estamos sujeitos a três tipos de sofrimento:

- o que advém do nosso corpo, condenado à doença e à degradação;

- o que advém com as consequências de desastres naturais;

- o sofrimento que advém com os relacionamentos humanos.

Tenho pensando acerca do sofrimento que advém com o aparecimento de situações que nos fazem estar de cara com nossa vulnerabilidade e finitude, como uma doença que muda toda a vida de uma pessoa. O adoecimento pode acarretar profundas mudanças nela: afastá-la do trabalho, da família, fazê-la se questionar sobre a vida.

É curioso o fato das pessoas não se prepararem para as situações de vulnerabilidade na vida. E será que há formas de preparo? Acho que sim, não enquanto controle absoluto das coisas imprevísiveis que possam ocorrer, mas uma consciência maior de nossas limitações e fragilidade de ser humano. Aceitar nossa condição de finito, investir em nós mesmos e no ambiente ao nosso redor, ou seja, realizar atividades que contribuam para uma melhor qualidade de vida.

Percebo também o quanto é difícil atravessar certas fases da vida. Sair da vida de universidade e entrar no mercado de trabalho... como ser jogado numa jaula de leões e estar sem ninguém para te proteger. Ver os filhos crescidos, conviver com filhos adultos, que fazem suas próprias escolhas e não tem mais tanta necessidade da proteção familiar. Adoecer e se deparar com o envelhecimento do corpo, a falta da energia de antes, a possibilidade de ter que se afastar do trabalho, de não poder fazer as mesmas coisas que antes. Perdas de pessoas queridas que trazem consigo enorme sofrimento também.

Situações que fazem com que nos deparemos com nossa vulnerabilidade, nosso limite, nossa condições de seres finitos, mortais, portadores de um corpo submetido à ação do tempo e passageiro na vida.

E o que fazer diante disso tudo que nos afeta tanto? Que mexe com o que somos na base de nossa existência: nossa vida? Cada um terá que dar sua resposta. Mas podemos pensar em formas que podem nos propiciar bem-estar como compartilhar nosso sofrimento com outras pessoas, explorar as diferentes possibilidades de ser e estar no mundo, buscar atividades que nos façam felizes e que contribuam para a humanidade. E jamais deixar de lutar, não se entregar, manter a firmeza diante dos percalços que fazem parte da existência humana.

Para acrescentar à nossa reflexão, o pensamento de um filosófo:

"Do meu ponto de vista, não existe miséria para um homem a não ser a de achar que algo que faz parte da natureza das coisas não está correto. (...)

Sempre que a vida me parece cruel e adversa, imponho a seguinte regra: não obedecer aos deuses, mas segui-los. Faço isso por que quero, não por obrigação. Nada do que vier a me acontecer me abaterá e me deixará com a aparência alterada. Aceitarei de boa vontade aquilo que me cabe, pois tudo o que provoca nossos sofrimentos é a lei da vida. (...)

Tua bexiga te incomoda? Chegaram más notícias pelo correio? Há perdas incessantes? Indo mais longe, temes por tua vida? Pensa bem, não sabias que desejavas tudo isso ao querer envelhecer? Tudo isso faz parte de uma longa vida, como a poeira, a lama e a chuva durante uma viagem.

(...) Viver Lucílio, é ser soldado. É por isso que aqueles que se arriscam em missões mais perigosas, através de penhascos e desfiladeiros, são os mais valentes, a elite da tropa. Já aqueles que se ocupam apenas com leves tarefas, enquanto os outros dão o máximo de si, esses não passam de mocinhos delicados, no abrigo, mas sem honras
."

Lucio Anneo Sêneca (ca.4 a.C-ca.65 d.C), no livro Aprendendo a Viver

A Importância dos Vínculos

Cada vez mais me convenço da importância dos vínculos em nossa vida. Vínculo não é com qualquer pessoa, não se dá com todas as pessoas, mas com aquela determinada pessoa. Cada vínculo é uno, diferente um do outro, cada pessoa vai despertar emoções, assuntos e confissões diferentes. Às vezes, quando voltamos de encontros profundos com essas pessoas até ficamos mais recolhidas em ambientes em que não sentimos esse acolhimento todo, pois sabemos que aquela preciosidade não se dá em qualquer contato. Contato não é encontro. Podemos conviver com várias pessoas, mas apenas algumas vão acender aquela chama de troca que alimenta nossa alma e nosso coração, que nos faz sentir vivos e atuantes no mundo.

Como é bom receber pessoas em nossa casa, em nossa vida, em nosso coração. Também é tão bom visitar pessoas, passar horas conversando, ver como cada pessoa está lidando com mudanças que também vivenciamos e com mudanças que virão pela frente.

Escutar as diferenças e semelhanças quanto à decisão por essa grande mudança que segue seu curso. Perceber angústias, medos, dificuldades, alegrias parecidas. Acalenta-nos saber que é difícil para outras pessoas também, que aquilo que desejamos vir a ser realizado traz todo um pacote de temores, expectativas, assim como seus enfeites, cores e tonalidades vibrantes. Isso é a vida: um misto de dor e entusiasmo, de esperança e medo, de deslumbramento e hesitação.

Para além dos vínculos famliares (parentes, conjugê, etc.), necessitamos desses outros olhares, sorrisos, sonhos, histórias de luta pela vida. É claro que nossa família é fundamental, ter raízes para poder se re-alimentar, e também asas para poder formar uma nova família, num novo período de nossa vida de maturidade, de crítica, de questionamenstos acerca da vida a dois e da vida familiar que queremos escrever no livro da nossa vida, seguindo nossas escolhas, acertando, errando, tentando corrigir erros e vivenciar cada vez mais a harmonia. Voltar a escolher esse amor a cada dia e as mudanças que isso acarretou às nossas vidas, e é muito bom você tomar sua própria decisão e viver dela, como disse uma amiga. Assim como precisamos da riqueza cheia de diversidade que outras pessoas podem nos trazer, nos enriquecer de outras ideias e outras visões de mundo, ampliar nosso olhar, olhar para fora para poder enxergar melhor o que há dentro de nós.

É importante nos re-abastecer de energia nesses momentos em que estamos com pessoas próximas, energia que muitas vezes se esvai nas dificuldades, no cansaço, na luta do dia a dia, na falta de um momento em que possamos olhar para dentro de nós, ao estarmos diante do outro. Que saibamos dar e receber aos nossos vínculos apesar da correria do dia a dia.

Podes crer
(Da Gama / Bino Farias / Lazão / Toni Garrido)

o que é, meu irmão
eu sei o que te agrada
e o que te dói, e o que te dói
é preciso estar tranqüilo
pra se olhar dentro do espelho
refletir
o que é?
seja você quem for
eu te conheço muito bem
e isso faz bem pra mim
isso faz bem pra vida
onde quer que vá
eu vou estar também
eu vou me lembrar
daquela canção que diz

parapapapa....

bendito
encontro
na vida
amigo

é tão forte quanto o vento quando sopra
tronco forte que não quebra, não entorta
podes crer, podes crer,
eu tô falando de amizade

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Reencontros



Após tanto tempo ser presenciar a reunião de tantos familiares (pais, irmãos, tios, primos, avó, etc.), eu já imaginava essa possibilidade ali e esperava feliz por esse dia, além de ser uma importante ocasião especialmente para um querida prima que tem quase a minha idade.

E, de fato, todos vieram, inclusive os mais novos membros da família (até um que ainda nem nasceu...).

E como foi bom revê-los ali, juntos. Ver os novos bebês da família, ouvir os cumprimentos pela nova vida que está sendo gestada em mim.

É bebê, essa também será sua família. E você já foi sonhado não só por nós, casal de pais, mas também por eles, nossos familiares.

E a dona da festa já tinha profetizado que chegaria essa festa e este novo membro já estaria na barriga da mãe (e isso há quase um ano atrás).

Mesmo com tantas mudanças que a vida trouxe, essas pessoas continuam significativas em minha vida. Pessoas que me viram crescer e que verão crescer a vida que trago em mim.

Não nascemos do nada, não nos criamos nem nos formamos sozinhos, mas fazemos parte de toda uma história pregressa, história de pessoas que amaram, que gestaram e criaram seus filhos, que trabalharam com muito suor, que conquistaram, que sofreram, que riram, choraram, se alegraram, se entristeceram, que passaram por mudanças. Alguns se foram, outros continuam por aí, tendo outras mudanças e fazendo parte ou presenciando a mudança de outros entes queridos.

Fazemos parte de uma linhagem, todos nós possuímos uma história familiar e, a partir dela, podemos entender um pouco de nós mesmos, de nossas escolhas, entender um pouco das grandes aventuras às quais nos arriscamos no momento do agora.

sábado, 11 de setembro de 2010

Encontros


Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.
(Clarice Lispector)

Há encontros que são preciosos, especiais. Que tocam o fundo de nosso ser. Que nos proporcionam momentos que valem por toda uma vida. Quando sentimos que há realmente uma troca, quando sentimos que o outro também está num processo de amadurecimento que acarretou profundas modificações em sua vida, em sua visão de mundo, e que nós conseguimos compartilhar um com o outro um pouco dessas tantas mudanças. Quando nos sentimos tão próximos de alguém que nos sentimos à vontade para contar aquela nossa dor mais íntima – e o amigo parece que entende nossa dor, e nos abraça, e nos consola, e parece estar dizendo com esses gestos: “Estou aqui, sei como é, também tenho minha dor, e também é difícil ter que encará-la algumas vezes...”

Como foi bom amiga, revê-la, receber sua visita em minha casa, mostrar um pouco da minha vida e saber da sua. Quem poderia pensar que uma amizade poderia aumentar tanto mesmo com tamanha distância física que nos separa? Distância física que não diminuiu a amizade, pelo contrário, aumentou a proximidade de nossas almas, em busca de entender esse mundo louco, de tentar ir na contramão dessa cultura que valoriza o imediatismo e o consumismo, de suportar perder nossa ingenuidade romântica sem perder o encanto pela vida, pelas mudanças, pelo encontro, por cada instante da vida que pode nos trazer tanto, nos trazer tamanha riqueza e doçura, apesar das tristezas e dores. Isso é a vida...

Encontros como esses são raros. E talvez por isso mesmo tão belos. Mais belos que a mais bem-feita cena de um filme maravilhoso. Esse tipo de encontro nos propicia refletir sobre a vida ao ver filmes, ler livros, ver vídeos, filosofar um pouco. Permite-nos dividir dores, contar histórias, dar de cara com semelhanças e diferenças, avaliar mudanças, rir de bobagens, nos abrir e fazer um balanço de que, apesar de tudo e das dores, a vida vale a pena (e quanto vale). Encontros acontecem não apenas quando vemos o outro de perto, podem vir por meio de cartas, e-mails, telefonemas.

Contudo, encontros também necessitam do cara a cara, do abraço, do beijo, do afago, afinal também somos seres e carentes, também temos um corpo que anseia sair dessa alienação e cada vez mais ser capaz de simplesmente sentir. Falar de dificuldades e conquistas, medos e superações, diante do olhar do outro. Falar da existência, com toda a dureza e poesia, que faz parte da vida.

Aos meus amigos, em especial à minha queria amiga que passou quase uma semana comigo. Carrego você comigo, carrego você no meu coração.

CARREGO VOCÊ COMIGO

Carrego você comigo

(carrego você no meu coração)

Eu nunca estou sem ele

(onde quer que eu vá você irá, minha querida (..)

(…)

Eis o maior segredo que ninguém conhece

(eis a raiz da raiz e o broto do broto

e o céu do céu de uma árvore chamada vida;

que cresce além do que a alma sonharia

ou a mente poderia esconder)

E este é o milagre que mantém a distância entre as estrelas

Carrego você comigo (eu carrego você no meu coração)



Autor: E.E. Commungs
(Declamado no filme: Em seu lugar – In yours shoes)

*Imagem: Flor de Lótus (Olhada com respeito e veneração pelos povos orientais, essa flor é freqüentemente associada a Buda, por representar a pureza emergindo imaculada de águas lodosas. Lótus é o símbolo da expansão espiritual, do sagrado, do puro.)

sábado, 28 de agosto de 2010

Despedidas



Nessa semana, tive que me despedir de mais uma pessoa muito querida em minha vida.Alguém que aprendi a admirar, por toda força e ternura com que tratava os usuários de saúde e os colegas de trabalho.

Fiquei triste em alguns momentos, tive três semanas pra me preparar pra essa despedida. Lembrei o quanto há encontros e despedidas na vida; às vezes, nós é que vamos embora, outras vezes, vão pessoas queridas, cada um em busca de seguir seu caminho, realizar suas escolhas. Ora vamos sem nos despedir; ora vamos após muitas despedidas. E se despedir tem lá sua importância, poder dizer tudo (ou quase tudo) o que queremos dizer. Poder celebrar a vida, e a graça de ter conhecido alguém que cativamos e que nos cativou.

Partir, ver outras pessoas partindo é difícil, dói, nos faz lembrar de outras partidas, outras despedidas. Contudo, a partida é necessária muitas vezes, para que possamos ir em busca de novas conquistas, desbravar novos mundos (tanto internos quanto externos). Chegar a novas etapas, construir novas relações, amadurecer. E não deixar de sentir saudades, e não deixar de viver, de se mover, e de poder lembrar de bons momentos e de dificuldades superadas. Poder voltar e rever pessoas queridas, poder traçar novos planos e lutar pela realização deles.

Sair da escuridão e ir para luz. Sair da ilusão e ir para a realidade. Sair do conforto para ir para a descoberta de dificuldades, que vem junto com o pacote do encontro com fragilidades e forças. Sair do conhecido e enfrentar o desconhecido, sair da proteção e enfrentar a batalha de ser adulto e de ter que traçar seu próprio caminho.

Podemos pensar que a vida é esse constante movimento de encontrar e de despedir. Damos adeus ao primeiro trimestre da gestação, que era um dos momentos mais delicados de nossa existência e seguimos rumo ao crescimento de nosso ser. Saimos da proteção do ventre materno e nascemos. Da dependência absoluta do bebê quanto à mãe, vamos para dependência relativa, descobrindo mais o mundo ao nosso redor. Caminhamos rumo à independência (Winnicott - e nunca a atingimos totalmente), nos despedimos da infância, rumo à adolescência...

Adeus adolescência, que venha a vida adulta. Adeus vida de estudante para vida profissional. Saindo da vida de solteira para vida de casada, adeus família de origem, seja bem-vinda família constituída. Adeus vida apenas de "filha", que venha a maternidade. Adeus vida apenas de "mãe", que venha vida de avó. Adeus vida adulta, que venha a maturidade e velhice. Da vida de trabalho para a vida de aposentado. Filhos crescidos que foram para o mundo. E da velhice, nos dirigimos para a morte. A trajetória de quase todo o humano que caminha na face da terra.

E em todo esse processo de mudanças de fases, nos encontramos com muitas pessoas, e nos despedimos de tantas outras. Uns chegam, outros partem. Mas é como dizem, "sempre levam um pouco de nós, e deixam um pouco de si..."

Encontros e Despedidas
(M. Nascimento E F. Brant)

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir

São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida

domingo, 15 de agosto de 2010

O tempo




Uma das coisas que lembra o tema de "mudanças" é o tempo. O tempo de espera, tempo de mudança, de transformação, de assimilação, de criação, de gestação, de crescimento, de envelhecimento, de caminho rumo à morte, de vida e de morte.
Dando prosseguimento à nossa série "Falando sobre nossas mudanças", teremos a leveza de dois poetas para falarem dessa companhia que apesar de tantas mudanças trazer, não de deixa de ser uma companhia permanente do homem: o tempo. O tempo que passa rápido, e o tempo que cultiva vida (enquanto há tempo!). A mudança que podemos ter quanto ao nosso relacionamento com o tempo e os benefícios disso.



O tempo (Mário Quintana)

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

_____//________

Viviane Mosé


(Poemas do livro Pensamento do Chão, poemas em prosa e verso.)



quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele soprando sulcos na pele soprando sulcos?

o tempo andou riscando meu rosto

com uma navalha fina



sem raiva nem rancor

o tempo riscou meu rosto

com calma



(eu parei de lutar contra o tempo

ando exercendo instantes

acho que ganhei presença)




acho que a vida anda passando a mão em mim.

a vida anda passando a mão em mim.

acho que a vida anda passando.

a vida anda passando.

acho que a vida anda.

a vida anda em mim.

acho que há vida em mim.

a vida em mim anda passando.

acho que a vida anda passando a mão em mim


e por falar em sexo quem anda me comendo

é o tempo

na verdade faz tempo mas eu escondia

porque ele me pegava à força e por trás



um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo

se você tem que me comer

que seja com o meu consentimento

e me olhando nos olhos



acho que ganhei o tempo

de lá pra cá ele tem sido bom comigo

dizem que ando até remoçando

(*Imagem: obra de Salvador Dali, a persistência do tempo)

domingo, 8 de agosto de 2010

A necessidade da mudança




Continuando nossa série "Falando sobre as nossas mudanças", hoje em homenagem ao dia dos Pais teremos um dos mais novos papais do pedaço, o amor da minha vida e pai do meu bebê que nascerá em 2011, Thadeu, um homem que causou grandes mudanças, revoluções, transformações em minha vida. Ele fará um contraponto entre a necessidade de mudar e nossa fixação a determinadas coisas. Feliz Dia dos Pais a todos os pais!

A necessidade da mudança

É muito comum ficarmos aferrados a idéias, conceitos e sentimentos. Ter determinadas convicções pode nos fazer bem, nos dar segurança, contudo, temos que reconhecer quando há a necessidade de mudança para melhor e ir em busca disso.

Tudo que conhecemos está sujeito a mudanças: os objetos se gastam, as pessoas crescem e envelhecem, a ciência se renova e, na natureza, as espécies de seres vivos buscam mudanças para estarem cada vez mais adaptados ao meio ambiente.

Não que tenhamos que nos tornar volúveis, mas é aconselhável que tenhamos inteligência em adequar o que em nós precisa ser superado e humildade para aceitar essa necessidade.

Por isso, que não caiamos no erro de nos aferramos a estruturas que precisam se renovar. E que possamos sentir a satisfação de estarmos sempre nos superando.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Processo Terapêutico e Mudanças

O que leva a uma pessoa a procurar ajuda de um psicólogo? Como chegam os pacientes ao atendimento psicológico e o que imaginam dele?

Com minha singela experiência de 3 anos como psicóloga formada, atuando em serviço público, tenho visto que muitos, ao chegarem ao limite do sofrimento, vão em busca de ajuda, em geral após tentar resolver por si mesmos suas dificuldades e não conseguirem. E muitas vezes também após o surgimento de sintomas corporais que apontam que algo não anda bem.

E esse adoecimento do corpo, ao levar à entrada no processo terapêutico, pode trazer todo um processo de reflexão da vida como um todo - o que tenho feito da minha vida? Quem tenho sido? O que tenho amado e com o que tenho sofrido? O que esperava da vida e o que tenho encontrado?

E o espaço que o atendimento psicológico propicia nasce como um lugar de "olhar para si", de poder "cuidar de si", de "falar de si" ao contar a versão de sua história de vida.

E aquele sintoma inicial que me era desconhecido, estranho, onde não me reconhecia... Não, eu não sou isso... O que é isso? Com o processo terapêutico e as mudanças decorrentes dele, vejo que eu sou isso...

Não tem jeito, nos tornamos isso... isso que nem sempre é forte, isso que nem sempre é frágil, isso que nem sempre nos está sobre o controle, isso que nos incomoda e que nos constitui... Isso que são as repetições que acabamos voltando a encontrar no decorrer da vida...

Mas e a mudança? Ao se reconhecer, ao estar consciente de suas identificações, ao ver o quanto ainda se traz de sentimento daquela criança de outra hora que agora emerge - criança que, na verdade, sempre esteve ali, só não estávamos lhe dando ouvidos. Criança que precisa de cuidado e que precisa saber que agora o tempo é outro, a vida é outra, a versão para a história de vida vai se construindo de forma nova e rica, propiciando crescimento emocional e uma abertura à possibilidade de criar o novo, ser criativo para reescrever a própria história e poder seguir em frente, com novas visões e forças renovadas para enfrentar as consequencias da escolhas feitas... e as mudanças que virão com a nova postura perante à vida...

domingo, 25 de julho de 2010

O tempo da gravidez




Hoje vamos começar a série "Falando sobre as nossas mudanças", em que as pessoas cederão textos seus para contribuir com as reflexões sobre o tema de nosso blog. Conto hoje com a participação da minha querida amiga Carol que tem um blog muito interessante chamado "Enquanto Esperamos". Abaixo está um texto deste blog cedido por ela relacionado a temática de nosso blog sobre mudanças, especificamente relacionado à questão da maternidade.

O tempo da gravidez

Uma das grandes mudanças em minha vida durante a gravidez foi o tempo. Acostumada a viver em ritmo acelerado, tive que ir reduzindo para me adaptar aos limites de meu novo corpo. Isso não ocorreu facilmente, foi uma luta intensa e interna, entre a velha Carol (ansiosa pela independência) e a nova Carol. A novidade de estar grávida impõe um ritmo de espera, lenta e cautelosa, que deve ser aproveitada para que, aos poucos, a idéia tome forma e o coração entenda o que está por vir. Assim, fui abrindo mão, relutante, de objetivos que pareciam urgentes, de necessidades que pareciam inevitáveis. Mudei de casa, de estado civil, desviei um tanto meu caminho profissional. Aprendi a amar alguém que ainda nem conhecia, e a apreciar ainda mais o grande amor de minha vida. Sofri por deixar passar oportunidades profissionais e por adiar sonhos tão almejados. Mas, hoje, entendo que este é o tempo de uma nova vida. É necessário ter paciência, deixar que venha a barriga, as estrias, as dores, o cansaço... mas, também, a alegria, o prazer, a conquista de uma família unida e harmoniosa.

Há muitas expectativas sobre as mudanças da grávida, muitas pessoas querem participar desse período único. Mas, ninguém pode ensinar ou até mesmo impor a ela o novo ritmo, o novo tempo. Porque ele não se refere apenas ao amadurecimento do feto e ao crescimento da barriga, mas a uma nova identidade que nasce gradualmente, sob os efeitos dos hormônios, das emoções e da história de vida de cada mulher. Para algumas, a mudança é natural e sem traumas. Mas, para outras, há muito do que se abrir mão e muito do que se entregar. Não ser exigente consigo mesma, respirar fundo a cada susto, ler e ler bastante, conversar, chorar quando der vontade, se alimentar, admirar as pequenas coisas do dia-dia são estratégias para encarar com prazer o tempo dessa maravilhosa espera.

Carolina Pombo
http://enquanto-esperamos.blogspot.com

(2a. foto: Carol grávida, tirada por Júlia Pombo, 2009)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O silêncio

Silêncio (Vinicíus de Moraes, apenas um trecho)

é o amor que te fala
É o amor que se cala
E que despetala
A flor do silêncio


Diante da grande mudança que já acontecia sem saber, o silêncio.
O silêncio para poder se acostumar, para poder acreditar,
para poder respirar fundo e aceitar a espera,
e deixar que a mudança siga seu curso.

O silêncio
para poder esperar as palavras que virão.

Esperar o tempo.
Esperar o curso do rio.
Esperar a vida, com toda sua beleza a mistério.

sábado, 26 de junho de 2010

Amor à primeira vista?


Com o tempo, vamos vendo o quanto situações novas que surgem em nossas vidas não são tão encantadoras e apaixonantes à primeira vista, mas precisam de todo um processo de conquista, de adaptação, de tempo para o amor (tão sonhado) se consolidar.

E isso em várias situações. Podemos começar pensando num bebê que é concebido, o príncipio da vida de todos nós. O casal de pais, logo que recebe a notícia da gravidez, pode se assustar bastante e ficar cheio de insegurança, mesmo sabendo e desejando conscientemente essa possibilidade. Mas calma! Com o tempo, vai se elaborando essa grande novidade, e o casal pode ir se encantando e se apaixonando por aquele ser que vai sendo tecido aos poucos no ventre materno pelo milagre da vida, e aos poucos, aquele amor vai aumentando e contribuindo para a arte da vida, para a tecitura do organismo e dos afetos daquele novo ser.

E o bebê nasce e o amor não é tão à primeira vista, pois a princípio ele é um estranho que chega em casa, cheio de demandas diferentes que altera toda a rotina da família, a vida do casal, a vida familiar. E um novo relacionamento terá que ser construído, um grande amor será formado. Haverá uma ação e uma reação (e ações e reações) dos membros dessa relação: mãe e bebê, pai e bebê, pais e bebê, familiares e bebê. E aos poucos, aquele amor irá crescendo, se expandindo, se fortalece o encantamento de um pelo outro. E é dessa conquista inicial que todos nós nascemos enquanto humanos, enquanto sujeitos.

Bem antes do surgimento desse novo ser, acontecia o princípio do relacionamento dos pais, enquanto homem e mulher. Pode ter havido um interesse e atração imediatos, contudo, o amor firme, construído, só veio com o tempo, com a convivência, com a descoberta das afinidades, das diferenças que acrescentam, das admirações, da tolerância com a diversidade que contém o outro ser. E é um processo contínuo, constante de amor que vai amadurecendo, superando barreiras e crises, se fortalecendo, se tornando um amor mais sólido, mais seguro e mais belo do que aquele sentimento que emergiu no primeiro encontro inicial. É o "amor mingau de aveia", que vai sendo mexido aos poucos e constantemente para não desandar. (esse termo aparece no livro "We -A Chave da Psicologia do Amor Romântico", da coleção que inclui "He - A Chave do Entendimento da Psicologia Masculina", "She - A Chave do Entendimento da Psicologia Feminina").

E em amizades podemos vislumbrar isso também. De um conhecimento inicial que travamos com várias pessoas, apenas algumas despertam um toque inicial de afinidade que aos poucos vai se solidificando, se tornando amizade, participando de momentos da vida em comum, eventos de tristeza, de vitória, de batalha, relatos compartilhados das versões que construímos para o enredo de nossas vidas. A amizade também não é tão à primeira vista, vai se revelando aos poucos, se abrindo como uma rosa que vai desabrochando e exalando agradável aroma.

Nas atividades que desenvolvemos na área profissional, também vemos que no início, não há aquele amor todo. Há um estranhamento no começo, um “como será que vai ser?”, “será que vou dar conta?”, num ambiente inicialmente desconhecido que demanda novos desafios e que traz novas pessoas ao convívio. E após a ansiedade inicial, não é que aos poucos vamos caindo nas rédeas do amor pela nossa ocupação naquele determinado lugar, vamos assumindo aquilo com coração, vamos aprendendo a lidar com as novas situações que surgem, com as novas demandas, vamos nos sentindo mais seguros para vivenciar essa nova história de amor que também é nossa vida profissional (naquele determinado momento assim como em outros)? Momento em que podemos inscrever nossa particularidade no laço social, servir às pessoas com nossos dons e habilidades e aprender que o crescimento profissional também é contínuo, e que esse amor vai longe em nossa história de vida.

Com tudo isso, percebemos que não tem jeito: o amor pela mudança não é à primeira vista. Primeiro, vem a dor, o desconforto, o medo do desconhecido, a insegurança – tudo isso desde que nos aventuramos a aprender a andar, quando algumas vezes acabamos por cair, mas persistimos. Persistência é fundamental para experenciar histórias de amor, para se manter nas situações que não amamos tanto ainda, assim como paciência para aceitar a espera, respeitar o tempo das situações, que não é controlado por nós.

Aos poucos, num processo poético, vamos dando os passos que traçam o rumo de nossa vida, vamos alternando momentos de alegria e tristeza, perdas e ganhos; às vezes caminhamos para frente, às vezes para trás. Consolidamos alguns amores, encerramos com outros. É a história de amor mais preciosa que temos na vida: história de amor com a gente mesmo(que engloba todos os amores já citados anteriormente), com a busca de consolidar o amor pela vida, procurar vivências e experimentações benéficas que ela pode nos trazer, sabendo dos riscos, das mudanças, da necessidade de processos, do tempo, e não deixando de VIVER. Que venham os amores não tão à primeira vista...E que saibamos ter persistência e paciência para aceitar o tempo de espera...

domingo, 20 de junho de 2010

Mudar o Olhar: Aprender com a Água



Após ter tido contato com a cultura cristã ocidental, católica, em boa parte da minha formação inicial enquanto pessoa, nos últimos anos venho num processo de leitura de outras tradições que, para além de rituais religiosos, nos ensinam sobre o humano e seu anseio de ligação com o sagrado, que refletem em sua ligação com a existência individual e coletiva. Independente de crenças individuais, podemos ampliar nossa visão com a aprendizagem que outras sabedorias podem nos acrescentar.

Cada tradição religiosa, cada livro considerado sagrado, nos traz preciosidades que informam o modo como cada cultura lidou com essa questão da espiritualidade, e com certeza contém amplos ensinamentos que vão além de nossa humilde compreensão. Será que diante de tamanha diversidade de religiões, podemos vislumbrar temáticas comuns?

Nesse texto não pretendo explorar essa questão, que é ampla e exige vasto conhecimento da diversidade religiosa. Contudo, podemos pensar na riqueza da gente poder mudar o olhar e aprender com outras lições que tocam o íntimo e o profundo que dizem respeito ao humano. Pensemos um pouco: Porque o diferente assusta? Por que, em geral, do diferente não quero nem saber, deixe ele lá e eu aqui? Será que quero apenas o familiar, o conhecido, tenho medo do novo, de abalar minhas convicções?

Mudar o olhar nos faz ir além, nos faz avançar em nosso processo de compreensão de mundo, do humano. E a mudança não somente para onde olhar, mas a forma de olhar. Sem medo, sem preconceito, mas com a vontade e coragem de uma criança com sede de desbravar o mundo, onde tudo é novo e encantador.

Por que não manter aquela dose gigantesca de abertura para o mundo que tínhamos quando crianças? Agindo assim, poderemos vivenciar o deslumbramento diante de histórias de outros lugares (mitológicas, religiosas, filosóficas), que também dizem respeito a nós, por serem de gente como a gente que se aventurou em busca do mistério, do desconhecido chamado existência. Histórias de busca, de êxtase místico, de orientações para a vida, de riqueza interna que nos une ao próximo de uma maneira sem igual. Somos todos humanos e construímos instituições religiosas que infelizmente, em geral, acabam por deixar de lado os ensinamentos originais de respeito ao próximo, de busca de comunhão, da aceitação da origem comum das fontes religiosas que, com grande tristeza, vemos se transformarem, às vezes, em fanatismos que dividem ao invés de unir.

E dividir provavelmente não é o objetivo inicial da espiritualidade (para além de rituais religiosos, dogmas, nos concentremos na vivência dessa busca - espiritualidade). Busca de nos ligar com o sagrado, com o oculto, com o mistério da vida e, sobretudo, com nossa condição de humano, de incompleto, de peregrino nesse mundo provisório, de ser em desamparo que almeja por sentido e significado. Buscar a constância num mundo transitório por excelência.

Podemos nos lembrar do desafio que nos lança a leitura do Tao Te Ching*: “esvaziar-se e ser natural como a água que flui no vale”. A simplicidade e naturalidade desse livro pode nos chegar como uma poesia doce que acalenta uma madrugada solitária. E que não esquecemos a ligação da acupuntura** com o taoísmo*** (há relação da acupuntura com conceitos básicos do taoísmo, como yin e yang) .

A VIRTUDE É COMO A ÁGUA
Uma pessoa virtuosa é como a água.
A água tem três características especiais: a primeira é que nutre as inúmeras coisas.
A segunda é que é naturalmente maleável – fluindo para onde a natureza leva.
A terceira é que se localiza em lugares baixos, desprezados pelas pessoas. A água se localiza em lugares baixos. Os virtuosos se colocam abaixo das outras pessoas.
A água é profunda e tranqüila, os virtuosos são perspicazes e calmos.
A água provê a subsistência das inúmeras coisas. Os virtuosos dão de si sem esperar nada em troca.
A água fornece um reflexo acurado das coisas. Os virtuosos são honestos e não decepcionam com palavras e atos.
A água é maleável. Assume todos os tipos de formas. As pessoas deveriam aprender com sua natureza pacífica. Beneficiando o mundo e sendo humilde, você se aproxima do Tao.


Que possamos ser maleáveis, abertos a novos olhares, a reflexões. E que aprendamos com o gênio Saramago que apesar de ser considerado ateu, soube vivenciar o humano em sua plenitude ao nos nutrir com suas palavras em português, refletindo sobre o humano, a existência, a hipocrisia, sobre a feiúra e beleza de ser gente.

Referências bibliográficas:
Lao-Tse. TAO TE CHING: O Livro do Caminho e da Virtude. (tradução Wu Jyh Cherang) 3a. ed. - Rio de Janeiro: Maud, 1998.
Tsai, Chih-chung. Tao em Quadrinhos. tradução Maria Clara de B.W. Fernandes - Rio de Janeiro; Ediouro, 1997.


* Escritura considerada sagrado pelos ensinamentos que revela, corresponde a uma tradição que integra filosofia, ciência e religião à experiência. Estrutura central do taoísmo.
**Técnica de inserir agulhas com fins terapêuticos. Prática que teve origem na China e hoje é praticada no mundo todo.
***Corresponde à tradição que vem do passado, que revela a origem; vem de dois ideogramas chineses - Tao: caminho (idéia de origem de todas as coisas) e Diao: ensinamento.

sábado, 12 de junho de 2010

Escolha o seu desejo


Escolhas, responsabilidade, sujeitos. Com o tempo, percebemos que além de fazer escolhas e estar cientes da nossa responsabilidade pela nossa condição de sujeitos, temos que “bancar” a escolha feita o tempo todo.

Mas o que seria isso? Não basta escolher e ponto final, o filme termina. Temos que estar revendo nossas escolhas com o passar do tempo, e ver se queremos mantê-las, se queremos isso de verdade para nossas vidas, no momento atual que experenciamos, ou se nosso desejo se encontra em outro percurso.

Podemos voltar a escolher o que a vida nos apresentou, ou seja, para onde nos levou as consequências e efeitos de nossos atos, de nossas escolhas iniciais, que é claro estavam inundadas de nossos desejos. Mas não sem antes nos questionar: estamos de fato felizes traçando esse percurso para nossa vida? Se não estamos, qual o motivo? Será a insatisfação que persegue a condição humana, ou será de fato a balança pesando mais para um lado do que para outro?

E como é difícil saber o que queremos, qual é o nosso desejo. O mais fácil é reclamar, é dizer-se insatisfeito, do que dar uma visão panorâmica em nossa vida e pensar: é isso mesmo que quero para mim? Onde estou agora? E para onde quero ir e porquê? Quais os planos alternativos? Onde me encontro feliz também e porquê? O que eu gosto, o que me dá prazer? O que tenho feito por mim? Tenho cuidado de mim?

Nossa escolha não é realizada num vácuo,numa bolha isolada do mundo, mas há todo um manancial de afetos, sentimentos, pensamentos pessoais, além de todo um contexto sócio-histórico-cultural, há oportunidades que surgem e precisamos estar atentos e dispostos a encarar, ou não, nesse momento. Ou fugimos ou escolhemos, vivemos (fugir também é uma escolha, da escolha podemos dizer que não há fuga propriamente dita, sempre somos ativos e responsáveis por nossa vida), correndo os riscos e pagando para ver as conseqüências de nossa decisão. Qual é o nosso desejo?

Que responsabilidade! Que Arte! Que desafio! Maior do que saltar de pára-quedas ou andar na montanha-russa!

Vamos imaginar. Uma situação nos acontece. Há busca de outras vivências. Há o encontro com o novo – o choque, o medo e o desejo. Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som... (Lulu Santos) Um dos paradoxos da existência humana, conviver com pólos opostos (vida e morte, amor e ódio, solidão e companhia) e dar uma resposta a isso.

E alcançamos conquistas. Tão sonhadas! Que alegria! E que dor! Ter que começar tudo de novo, ter que mudar, ter que sair de uma posição cômoda e... se movimentar! Dá gasto de energia, não tem jeito! Tem processo de adaptação. Tem processo de luto pela morte daquilo que deixamos para trás. Tem estranhamento inicial. Tem ansiedade. Enfim, tem vida e tem morte também.

E o novo, a princípio, vem acompanhado de desconforto. Como vai ser agora? Eu sabia como era lá e não aqui (exemplos: eu sabia como era morar lá e não aqui , como era ser solteira e não casada, como ser universitária e não profissional, como trabalhar lá e não aqui...).

Saí de minha zona de conforto. Estou correndo riscos. Mas ao mesmo tempo eu quero esse risco! A roupa velha já não me interessa mais, o passado passou, quero o futuro com tudo que tenho direito e desejo! E dever, responsabilidade, as dores, serão inevitáveis, eu sei, o pacote é completo.

Quero então pintar tela do quadro da minha vida com as mãos sujas de tintas, calejadas, cansadas, insatisfeitas, satisfeitas, por terem, lutado. Uffa! E as vivências deixarão marcas no livro da vida, na arte de ser autor da própria vida, apesar dos determinismos e limitações.

Olha:
a vida é nova.
A vida é nova e anda nua.
Vestida apenas com o teu desejo.

Mário Quintana

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Importância da Despedida


No começo do novo trabalho ao qual me aventurei neste ano, fiquei mais próxima de uma colega de trabalho. Chegávamos juntas ao trabalho, e iamos embora também. Compartilhamos descobertas, conquistas e dificuldades do início da vida profissional, ansiedade e expectativa com o novo emprego. Aos poucos, fomos nos adaptando à nova mudança.

E chegou a hora de minha amiga partir, agora para outro emprego. E essa mudança não foi só para ela, mas para mim que não teria mais sua companhia diária, seu sorriso doce e acolhedor.

E fiquei um pouco triste inicialmente. Lembrei de outro emprego que tive, em que logo que comecei, fiz duas amigas, e no mês seguinte elas também partiram para outros rumos. No ano passado, também fiquei triste ao saber que uma amiga tinha saído do emprego que eu também trabalhava. Contudo, todas partiram para coisas melhores, e isso também me deixa feliz por vê-las em busca de mudanças melhores, e até me inspira para essa luta também.

Em situações novas, gostamos de ter outras pessoas por perto, nos sentimos mais seguras ao poder falar da nossa mudança já que o outro também está enfrentando algo parecido. Muitas vezes nos sentimos até mais fortalecidos por ter com quem compartilhar. Podemos pensar que é muito reconfortante poder compartilhar mudanças, perceber que elas são difícies para outras pessoas também, e que aos poucos vamos entrando no ritmo das mudanças que se apresentam às nossas vidas. Mudanças nos fazem conhecer novas pessoas, ver outras formas de conviver, de relacionar-se, nos propiciam crescimento emocional.

E eu sabia que essa mudança era diferente das anteriores. O momento é outro, as pessoas são outras, o lugar é outro, e eu também mudei.

E então, não me paralisei na tristeza, mas pensei em fazer algo para mostrar para essa amiga o quanto ela tinha sido importante. Desse vez, eu teria tempo de me despedir, um presente que a vida me deu, já que das outras vezes, fiquei sabendo depois que minhas amigas partiram. Conversei com outros colegas de trabalho, e escrevemos mensagens na cartolina para ela, e a cartolina foi entregue junto com um belo vasinho de flores.

E como eu senti que mudou o sentimento dentro de mim. A tristeza foi embora, senti um alívio e percebi que não tinha que chorar pelo fato dela ir embora, mas sorrir pelo fato de tê-la conhecido, de termos passado bons momentos juntas.

Percebi também a importância da gente poder dizer "até logo", "boa sorte", e de olhar de outra forma para perda, já que talvez nem podemos chamar de uma perda, apenas de mudança. O que se recebeu do outro não se perde, levamos conosco, dentro de nosso coração. Assim como o que doamos, não perdemos. Afinal, como já era dito no livro do Pequeno Príncipe, somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. E nossos contatos aumentam, e sempre teremos a possibilidade de nos comunicar, telefone, e-mail, visitas, etc.

E o período de adaptação está se consolidando. E há outras pessoas ao redor com quem podemos compartilhar e novas pessoas chegando também. Esse é o trem da vida, onde há as partidas, assim como as chegadas.

CANÇÃO DA AMÉRICA
(Fernando Brant e Milton Nascimento)

Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Beleza e Mudança: a Arte de Viver

“Se a vida veio lhe chamar...
Se tem que ir e não pode mais ficar...”
(Chimarruts – 'Se for embora')

Chega uma hora na vida, que não tem como escapar:
somos chamados a responder com nossa ação, nossa atitude,
nosso agir. Podemos pensar que essa “hora” não se limita a uma única situação, mas a diferentes “chamados” que recebemos ao longo de nosso existir.

Nesses momentos, percebemos que não temos tempo de pensar, ponderar e mesmo que arrumemos um jeito de parar um pouco e pensar, percebemos que nossa mente não tem todas as respostas, não encontramos “o caminho certo” ou “o caminho errado”, apenas escolhemos seguir à direita ou à esquerda, ir para frente ou para trás.

Depois de nos iludirmos pensando estar no controle do leme de nosso barco e pensar as possíveis direções do futuro, temos que agir, escolher, caminhar, e algumas vezes nos distanciar de planos pensados. E ao escolher, estamos abrindo mão de outras possibilidades, outros caminhos, outros rumos para nossa vida. Ao mesmo tempo, estamos nos abrindo a outras possibilidades, outras novidades, outras respostas que daremos a nossas vidas. Que tamanha a responsabilidade de estar existindo, escolhendo, construindo nosso percurso, e arcando com as consequências de nossas escolhas.

Mas o fato de “ter que escolher” não quer dizer que seja o fim do mundo, que tudo está perdido, que é tudo ou nada. Contudo, vamos refletindo que cada passo que damos vai abrindo um leque diferente de possibilidades, que seria diverso se o passo fosse para um lado outro do que foi escolhido.

E onde está a beleza disso tudo? Talvez possamos pensar que a beleza reside na arte de construir a nossa própria vida, a cada instante, a cada presente eterno. De passar pelos “chamados”, pelas crises e tropeços, pelas dores e delícias de estar no mundo, bordando seu jeito próprio de se vestir ao mundo, de se despir de alguns acessórios e de pôr outros . E não temos que ser artistas talentosos para viver a aventura do humano existindo na face da terra?

E que arte trabalhosa essa Arte de Viver! Podemos pensar que não é saudável investir toda nossa energia numa coisa só, mas precisamos ter um leque de possibilidades para que possamos aproveitar as diferentes situações que podemos vivenciar, as diversas possibilidades de ser, de existir, de agir, de atuar e experenciar! A vida se abre com infinitas chances da gente se aventurar nessa arte chamada existência. Só que para isso, é necessário criar, ser artista, às vezes até malabarista! É um circo, um teatro, um palco, uma tela, em que todas as nossas emoções, tragédias, comédias entram em cena e vão construindo a obra-prima que somos nós! Mas nunca sabemos a próxima cena, o que vai acontecer é sempre imprevisível e isso nos assusta! Escolhemos sim, mas sem saber onde vai dar!

É claro que essa arte não vem sem dor. É sofrida! Dói, machuca, aperta o peito e o passo! Às vezes desanimamos, nos cansamos, achamos que não estamos moldando nossa “arte” como ansiamos... E logo temos que retomar o fôlego, retomar a luta, a batalha é dura para que possamos nos expressar, precisamos continuar em novas buscas. Que estejamos abertos ao novo, que possamos sair de nossos comodismos cotidianos e ir em busca de novas possibilidades de apreciar a arte da mudança, a arte da vida.

O Chamado(Marina Lima / Giovanni Bizzotto)

Vou seguir o chamado
E onde é que vai dar, onde é que vai dar?
Não sei...

Arriscar ser derrotado
Por mentiras que vão
Mentiras que vêm punir

Um coração cansado de sofrer
E de amar até o fim
Acho que vou desistir

Céu abriga o recado
Que é pra eu me guardar
Mudanças estão por vir

Esperar ser proclamado
O grande final,
O grande final feliz!

Que tal aquele brinde que faltou?
Será que teria sido assim?
Acho que vou resistir

Que tal aquele brinde que faltou?
Será que teria sido assim?
Acho que vou resistir...
Onde é que vai dar?
Onde é que vai dar?

domingo, 9 de maio de 2010

Mudando de ares

Como é bom viajar! Mesmo que seja apenas um fim de semana.

Pegar a estrada, conhecer outros caminhos, visitar outros lugares, respirar novos ares, ver outras pessoas, bater papo, falar sobre nós, ouvir outras pessoas, ficar em silêncio ao lado do outro, ver outras formar de agir e de sentir...

E poder voltar. E respirar fundo e dizer: foi tão gostoso passear, e é tão bom voltar pra casa também.

Precisamos de um porto seguro, para voltar a ancorar nosso barco. E este barco (que somos nós) também precisa navegar por outros mares, ver outros barcos (outras pessoas), conhecer e aprender com outras formas de existir no mundo e de lidar com as mudanças existentes em toda vida humana, em toda família humana.

Nós mudamos, as pessoas mudam, descobrimos novidades, nos surpreendemos, amadurecemos, crescemos.

Aprendemos que todos passam suas dificuldades, todos têm suas formas de lidar com os obstáculos da vida, com as mudanças, com os desafios de estar vivo e está tecendo sua existência humana.

Algo fundamental é nossa necessidade de referências, de saber que não somos apenas nós que passamos por determinadas situações, mas que temos referências que também passam por isso - ora somos todos humanos! E sujeitos a mudanças, transformações, "mutações".

Cada um vai em busca de suas respostas, cada um se constrói e se reconstrói com o caminho que percorre ao caminhar. O importante é não deixar de caminhar, é seguir em frente, é buscar a vida e novas formas de lidar com as mudanças.

E novos encontros, em novas fases, nos permitem visualizar um pouco a magnitude da vida, a grandeza de poder compartilhar, de perceber que sempre podemos descobrir o novo nas pessoas mais próximas, perceber o quanto conhecemos pouco o outro, bem como conhecemos pouco a nós mesmos, e o quanto essa viagem da descoberta - indo ao encontro do outro, assim como ao encontro do seu própro mundo interno, pessoal - pode ter uma riqueza tão grande que não cabe em nenhuma palavra. Contudo, a marca da palavra pode nos ajudar a expressar o inexprimível da vida, dos encontros entre as pessoas, do relacionar-se.

Que venham as viagens - em direação ao outro e em direção a nós mesmos...

"A verdadeira viagem da descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em ter olhos novos."
( Marcel Proust)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Eros e Psiquê


O amor não pode viver sem confiança.”

Psique era uma bela moça que atraía os olhares de todo o reino, chegando a despertar inveja na deusa da beleza, Afrodite. Incomodada com a rival (parece até a madrasta da Branca de Neve), a deusa envia seu filho, Eros, para disparar flechas em Psiquê para que ela não venha a ser feliz no amor.

Eros se encanta de tal forma com a beleza de Psiquê, que acerta as flechas em si mesmo, se apaixonando pela bela. Após tantas travessuras causando confusões amorosas entre deuses e mortais, o belo deus do Amor é ferido com a própria flecha.

As irmãs da moça se casam, menos ela. O pai se preocupa, vai consultar um oráculo, que avisa que ela se casará com uma serpente horrenda e terá que ser deixada no cume do monte para cumprir o previsto. A família se entristece mas obedece à ordem do destino.

Psiquê, ao estar só no monte, é levada por Zéfiro, o deus do vento, a um belo castelo, onde banquetes e locais agradáveis lhe espera, além do amado que a visita todas as noites. Ela desfruta do lugar, mas tem que respeitar a condição do esposo de não ver o seu rosto. A jovem se encanta pelas gentilezas dele, mas fica confusa por não poder ver seu o rosto (parece história da Bela e a Fera).

Numa noite, não resiste de curiosidade. Pega uma lamparina, aguarda o amado adormecer e vem a inesperada visão: que monstro que nada, como era belo a figura do esposo, como se fosse um deus - e de fato o é! Encantada, Psiquê deixa derramar uma gota de azeite quente da lamparina no rosto dele, que acorda e sai magoado da casa, dizendo: "O amor não pode viver sem confiança."

Psiquê entra em desespeto, anda pelo mundo atrás do amado, chega a se submeter aos caprichos de Afrodite, que lhe dá trabalhos difíceis (alguma semelhança com a madrasta da Cinderela?). Com ajuda dos deuses, a moça consegue cumprir as difíceis tarefas impostas. Então, a deusa lhe pede mais uma: descer ao Inferno e pedir a Pérsefone que guarde um pouco de beleza em sua caixa, para que a deusa da beleza pudesse ficar ainda mais bela ao receber a caixa que teria que ser trazida por Psiquê. A bela então se dirige para sua derradeira tarefa. Alertada por Perséfone do perigo de abrir a caixa, a moça não resiste em poder ficar mais bela para seu amado Eros. Ela abre a caixa e adormece um sono quase mortal sobre a erva (A Bela Adormecida? Branca de Neve?).

Eros vai de encontro a ele, a beija, consegue despertá-la com o sopro do amor. Com intercessão de Zeus, Eros consegue apoio para o amor do casal, inclusive da mãe. Zeus entrega a moça uma taça de ambrosia, dizendo: "Bebe isso, Psiquê, e sê imortal. Eros jamais romperá os laços aos quais já se encontra atado. E que essas núpcias sejam eternas." E foram felizes para sempre...

E que bela história de amor, um amor que supera barreiras, crises, falhas, dificuldades. Eros e Psiquê não são os mesmos do primeiro encontro, e ao mesmo tempo são. Aquela grande busca do amor após momentos felizes, se vê abalada pelas imperfeições dos personagens: curiosidade, falta de confiança, orgulho, dificuldade de perdoar, fuga ao invés da busca do diálogo.

Apesar de tudo, o amor é mais forte, unindo dois seres opostos que sonham ser um e que se vêem nas qualidades do outro, assim como nos defeitos. Já dizia Jung que "Relacionar-se é ver-se", e é difícil ir de encontro a alguns espelhos, mais visíveis ainda nos realcionamenos amorosos. É duro ter que assumir dificuldades (que não está só no outro, mas em mim também...), realizar tarefas para superá-las (amadurecer, aceitar nossa falibilidade, aprender a ser tolerante, compreensivo).

Enfim, tornar-se alguém digno de viver uma linda história de amor, a fazer do amor o seu mais belo anseio e luta. Amor verdadeiro exige esforço, luta, tolerância, comunhão, e tudo regado a muito amor que, por incrível que pareça, pode crescer a cada dia, como uma flor que desabrocha e traz tanto perfume que harmoniza as dificuldades do cotidiano da vida adulta... Um amor que se torna protótipo do divino e nos aproxima da transcendência...

Essa bela fábula de Eros e Psiquê também é considerada como alegórica (assim como podemos imaginas que os contos de fadas também contém elementos alegóricos), e, com certeza, contém misteriosos significados não alcançados por nossa vã filosofia.

Psiquê, em grego, significa borboleta, e também alma, sopro de vida. A imortalidade da alma é assim ilustrada como a de uma borboleta, criando asas resplandecentes e libertando-se da prisão mortífera do casulo, depois de uma enfadonha e rastejante vida como lagarta, para voar no resplendor do dia e alimentar-se das mais perfumadas e delicadas produções da primavera.

Psiquê é, nessa visão, a alma humana, a qual é purificada pelos sofrimentos e desgraças, preparando-se, assim, para desfrutar de pura e verdadeira felicidade.

Que saibamos encarar os sofrimentos da vida de frente, em busca do amor e da vida, e do sonho de um dia ser uma linda borboleta voando livre nas doces primaveras...

Referência blibliográfica:
Mitologia Vol. I - Coleção da Abril Cultural, 1973.
Bulfinch, Thomas. O Livro da Mitologia - Histórias de Deuses e Heróis. São Paulo: MArtin Claret, 2006.

Eros e Psiquê (poema de Fernando Pessoa)

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

(*Imagem: Psiquê recebendo o primeiro beijo de Eros, François Gerard. Museu do Louvre, Paris.)

sábado, 24 de abril de 2010

Eros e o Nascimento do Amor


O Olimpo está em festa. Nasceu a bela deusa do amor Afrodite (Vênus).

No fim da festa, sem ser convidada, surge Pênia, a Pobreza, em busca de mendigar os restos do banquete. Só que, antes de chegar à mesa, Pobreza se depara com a figura de Poros, o Recurso, filho da Prudência.

Percebe que o rapaz, embriagado, se retira para dormir um sono pesado. Pobreza planeja: quer ter um filho de Poros. Deita-se junto a ele, o toca, o desperta, e concebe o filho desejado: Eros, o Amor.

Eros nasce no dia do nascimento de Afrodite e para sempre será companheiro da Beleza. E para sempre terá um duplo aspecto. Já que da mãe herda a carência e o destino de andarilho. Do pai, a coragem, a decisão, a energia que o tornam astuto caçador, ávido do Belo e do Bem.

Das duas heranças reunidas decorre sua sina singular: nem mortal nem imortal. Ora germina e vive - quando enriquece. Ora morre e de novo renasce. Perenemente transita entre viver, morrer, ressuscitar.

Marcado pela carência que lhe transmite Pênia, ele não é sábio. Mas esforça-se para conhecer. Porque ama a sabedoria: Eros filosofa.


Eros - o deus do Amor - em uma das versões de seu nascimento. Filho da Pobreza, mostra-nos seu lado de permanente carência e incompletude, falta e fome, de busca. Filho de Recurso, traz seu aspecto de energia, abundância, conforto e apazigamento.

E assim nos chega o amor: enérgico e faminto, ávido de vida e de busca. Marca a própria essência da vida, da nossa existência: da riqueza do broto ao fim em paz de volta à terra.

Bibliografia:
Mitologia Vol. I - Coleção da Abril Cultural, 1973.

sábado, 17 de abril de 2010

O Cuidador e o Cuidar-se


"E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê Flor
flor e fruto
" (Wagner Tiso/Milton Nascimento)


Após a formatura, a psicóloga fica seis meses à procura de trabalho. Seis meses que se tornam longos e intermináveis. Que vontade de exercer logo a profissão após tanto estudo e vontade!

E planos mudam, novas cidades se apresentam, novas buscas e desafios, e chega a hora tão sonhada: o primeiro emprego fixo como psicóloga, após passar num concurso público.
Muitas demandas, diferentes possibilidades de atuação, o mergulho na atuação profissional traz mundos inesperados e descobertas indizíveis, dificuldades e delícias, um mundo imenso de prática, para além do mundo das idéias da faculdade. Incompletude do saber e um contínuo desejo de saber mais! E de mudar!

Eu tinha pensando em fazer filosofia no segundo grau (e a leitura de filosofia no atual momento de minha vida vem com um novo significado e tem me aberto mais ainda novas portas de compreensão do humano!), mas quis fazer psicologia porque sabia que essa profissão me possibilitaria dar de cara com a prática da vida, pois eu precisava ir além das idéias. E dei de cara com a vida com muita intensidade! A gente encontra o que procura, não tem jeito, e a luta é dura para dar conta daquilo que a gente escolheu.

E após dois anos e meio no mesmo trabalho (onde pude mudar de setores e experenciar diferentes possibilidades de atuação - como parece pouco dizer apenas 2 anos e meio diante de todo o vivido!) senti que era hora de mudar, por alguns motivos.

E foi hora de dar adeus aquele emprego que tanto me tinha sustentado (psiquicamente) e tanto me fez crescer, e tanto me fez estar ciente dos meus limites quanto psicóloga e quanto pessoa. O quanto questões sociais atravessam nosso trabalho, questões coletivas, trabalhistas, comunitárias, culturais, o quanto precisamos de outros profissionais para compartilhar dificuldades, conquistas, trocar idéias, buscar novos caminhos e alternativas para nossos impasses profissionais, criar novas estratégias de atuação, realizar projetos, inovar. O quanto foi importante descobrir a importãncia de trabalhar em rede, de se surpreender com as novas possibilidades que nos trazem novas sensações e novos leques de atuação. E o quanto o mundo pós-faculdade é MUITO MAIOR do que podíamos imaginar!

E ao fazer o exame admissional para o novo emprego, descubro que minha pressão está alta. O médico sugere que eu procure um bom clínico geral.

Ato I
Na primeira consulta, acordo triste. Teve um espaço de tempo entre o antigo emprego e o novo que iria vir, e não deixei de ficar ansiosa.
O clínico que também é cardiologista, me recebe com expressão séria, mede a pressão e avalia o quadro.
Ao ver a sala de espera dele lotada imagino o quanto deve ser difícil ser um médico com tamanha responsabilidade com o compromisso com a vida de tantas pessoas. Posso entendê-lo melhor por eu já ter atendido tanta gente num dia só (bem cansativo!), e ser uma profissional da saúde numa profissão que também lida com o desgaste emocional que faz parte do pacote do tipo de trabalho que escolhemos.

Nesse meio tempo entre uma consulta e outra, vi aquela série "Dr. House" e fiquei pensando nesse curioso drama de ser um profissional que cuida do outro e ao mesmo tempo precisa de cuidados por também ser humano, tendo todas as complexidades, e fragilidades, que um ser humano tem. É uma série muito interessante, em que o personagem central é um médico brilhante que consegue, com o apoio de uma equipe, descubrir diagnósticos de casos difíceis (quase como se fosse uma investigação policial). O médico da série tem uma expressão facial séria(sem deixar de ter seu carisma) e é viciado em analgésicos, após ter sofrido um acidente e ter tido problemas numa das pernas.

Ato II
Segunda consulta. Na sala de espera, a recepcionista ainda não chegou e o médico chega e pede para nós (os pacientes marcados)esperarmos ela. Um casal de idosos chega sorridente e pela conversa com outro paciente, descobrimos que o casal são pais do médico. A recepcionista chega, anuncia o casal que entra na sala e fica pouco tempo.
Eu fui uma das primeiras atendidas (diferentemente da primeira consulta, de acordo com as marcações respectivas), e desde o começo o médico mostra-se mais simpático.
Pergunta se eu estou trabalhando mais perto (mais uma vez, vou trabalhar em outra cidade - ele lembra dessa informação), digo que não agora que comecei lá. O médico diz que dessa vez meu rosto estava iluminado - ele percebeu que a volta ao trabalho - dessa vez um novo - me fez muito bem. Espero ter menos estresse, menos pressão, quem sabe isso me ajude a controlar essa pressão que às vezes fica alta? O médico se abre. Diz que trabalhou 12 anos (ou 15, ou mais - não me lembro bem) numa emergência, viu de tudo, e teve um período, há cerca de poucos anos trás, que começou a ter pesadelos, acordar com palpitação, suores, estava insuportável, segundo suas palavras. Diz que começou a tomar antidepressivos e isso o ajudou.

Senti que essa situação foi um ENCONTRO, mais que entre dois profissionais, um encontro entre duas pessoas, que por mais perfeccionistas que possam ser, se deparam com seus limites e sofrem com o desgate trabalhista do dia-a-dia. Falei um pouco sobre o meu sofrer com o meu trabalho através do meu corpo, e ele expõs sua fragilidade com suas palavras. Ora, admitir que não somos onipotentes nem salvadores, além de realista, já é uma forma de cuidado com a gente mesmo. Que alívio saber que somos falíveis - e não apenas nós, nós e outros, e podemos nos comunicar sobre isso, construir uma ponte. Lidar com o humano nos torna mais humanos e conscientes de nossa limitação.

Afinal, nós que temos o compromisso de cuidar, também precisamos de cuidados. Também sofremos às vezes (e de alguma forma) com o sofrimento das pessoas que cuidamos. E precisamos de válvulas de escape para isso, de modos de aliviar nosso sofrer também por estar tão em contato com a fragilidade e limitação do humano. Atividade artística, atividade física, meditação, leitura, podem ser formas de nos aliviar um pouco dessa carga.

Lembrei-me agora da mitologia de Quíron, que Jung diz que é o arquétipo do curador. Quíron é um personagem da mitoglogia grega que passou por muitos sofrimentos e, mesmo tendo se tornado mestre nas artes curativas, jamais conseguiu tratar de sua própria ferida. Por isso, era conhecido como o Curador Ferido. Outro dia volto a falar mais desse personagem tão interessante.

Cuidamos dos outros, e às vezes nos esquecemos de nós. Mas em algum momento, algo em nós se expressa e sinaliza que precisamos de cuidados. Somos humanos, e um dia vamos adoecer de alguma forma, e a morte vai nos levar, como leva a todos, inclusive a pessoas queridas a nós. A finitude é uma das situações que une toda a humanidade.

Que até lá, tenhamos, além de ter cuidado do outro, cuidado de nós mesmos, e ter tido uma boa qualidade de vida.

"Quiron traz em si a ferida e a cura, pois à medida em que vivenciamos nosso sofrimento e desamparo, tornamo-nos mais inteiros e curados, porque mais sábios e mais humildes."