domingo, 20 de junho de 2010

Mudar o Olhar: Aprender com a Água



Após ter tido contato com a cultura cristã ocidental, católica, em boa parte da minha formação inicial enquanto pessoa, nos últimos anos venho num processo de leitura de outras tradições que, para além de rituais religiosos, nos ensinam sobre o humano e seu anseio de ligação com o sagrado, que refletem em sua ligação com a existência individual e coletiva. Independente de crenças individuais, podemos ampliar nossa visão com a aprendizagem que outras sabedorias podem nos acrescentar.

Cada tradição religiosa, cada livro considerado sagrado, nos traz preciosidades que informam o modo como cada cultura lidou com essa questão da espiritualidade, e com certeza contém amplos ensinamentos que vão além de nossa humilde compreensão. Será que diante de tamanha diversidade de religiões, podemos vislumbrar temáticas comuns?

Nesse texto não pretendo explorar essa questão, que é ampla e exige vasto conhecimento da diversidade religiosa. Contudo, podemos pensar na riqueza da gente poder mudar o olhar e aprender com outras lições que tocam o íntimo e o profundo que dizem respeito ao humano. Pensemos um pouco: Porque o diferente assusta? Por que, em geral, do diferente não quero nem saber, deixe ele lá e eu aqui? Será que quero apenas o familiar, o conhecido, tenho medo do novo, de abalar minhas convicções?

Mudar o olhar nos faz ir além, nos faz avançar em nosso processo de compreensão de mundo, do humano. E a mudança não somente para onde olhar, mas a forma de olhar. Sem medo, sem preconceito, mas com a vontade e coragem de uma criança com sede de desbravar o mundo, onde tudo é novo e encantador.

Por que não manter aquela dose gigantesca de abertura para o mundo que tínhamos quando crianças? Agindo assim, poderemos vivenciar o deslumbramento diante de histórias de outros lugares (mitológicas, religiosas, filosóficas), que também dizem respeito a nós, por serem de gente como a gente que se aventurou em busca do mistério, do desconhecido chamado existência. Histórias de busca, de êxtase místico, de orientações para a vida, de riqueza interna que nos une ao próximo de uma maneira sem igual. Somos todos humanos e construímos instituições religiosas que infelizmente, em geral, acabam por deixar de lado os ensinamentos originais de respeito ao próximo, de busca de comunhão, da aceitação da origem comum das fontes religiosas que, com grande tristeza, vemos se transformarem, às vezes, em fanatismos que dividem ao invés de unir.

E dividir provavelmente não é o objetivo inicial da espiritualidade (para além de rituais religiosos, dogmas, nos concentremos na vivência dessa busca - espiritualidade). Busca de nos ligar com o sagrado, com o oculto, com o mistério da vida e, sobretudo, com nossa condição de humano, de incompleto, de peregrino nesse mundo provisório, de ser em desamparo que almeja por sentido e significado. Buscar a constância num mundo transitório por excelência.

Podemos nos lembrar do desafio que nos lança a leitura do Tao Te Ching*: “esvaziar-se e ser natural como a água que flui no vale”. A simplicidade e naturalidade desse livro pode nos chegar como uma poesia doce que acalenta uma madrugada solitária. E que não esquecemos a ligação da acupuntura** com o taoísmo*** (há relação da acupuntura com conceitos básicos do taoísmo, como yin e yang) .

A VIRTUDE É COMO A ÁGUA
Uma pessoa virtuosa é como a água.
A água tem três características especiais: a primeira é que nutre as inúmeras coisas.
A segunda é que é naturalmente maleável – fluindo para onde a natureza leva.
A terceira é que se localiza em lugares baixos, desprezados pelas pessoas. A água se localiza em lugares baixos. Os virtuosos se colocam abaixo das outras pessoas.
A água é profunda e tranqüila, os virtuosos são perspicazes e calmos.
A água provê a subsistência das inúmeras coisas. Os virtuosos dão de si sem esperar nada em troca.
A água fornece um reflexo acurado das coisas. Os virtuosos são honestos e não decepcionam com palavras e atos.
A água é maleável. Assume todos os tipos de formas. As pessoas deveriam aprender com sua natureza pacífica. Beneficiando o mundo e sendo humilde, você se aproxima do Tao.


Que possamos ser maleáveis, abertos a novos olhares, a reflexões. E que aprendamos com o gênio Saramago que apesar de ser considerado ateu, soube vivenciar o humano em sua plenitude ao nos nutrir com suas palavras em português, refletindo sobre o humano, a existência, a hipocrisia, sobre a feiúra e beleza de ser gente.

Referências bibliográficas:
Lao-Tse. TAO TE CHING: O Livro do Caminho e da Virtude. (tradução Wu Jyh Cherang) 3a. ed. - Rio de Janeiro: Maud, 1998.
Tsai, Chih-chung. Tao em Quadrinhos. tradução Maria Clara de B.W. Fernandes - Rio de Janeiro; Ediouro, 1997.


* Escritura considerada sagrado pelos ensinamentos que revela, corresponde a uma tradição que integra filosofia, ciência e religião à experiência. Estrutura central do taoísmo.
**Técnica de inserir agulhas com fins terapêuticos. Prática que teve origem na China e hoje é praticada no mundo todo.
***Corresponde à tradição que vem do passado, que revela a origem; vem de dois ideogramas chineses - Tao: caminho (idéia de origem de todas as coisas) e Diao: ensinamento.

2 comentários:

  1. Oi querida, estou te devendo uma resposta, né? Pode deixar que já já te mando.

    Aproveito para convidá-la a participar da primeira promoção do blog, uma blogagem coletiva sobre "O tempo da espera". Olha lá: http://enquanto-esperamos.blogspot.com/2010/06/noves-meses-enquanto-esperamos.html

    Beijão

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  2. Oi amiga! Obrigada pelo convite! Dê uma olhada no próximo texto que postei. Acho q tem a ver com esse tema da sua promoção né? Bjs

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