quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Saudade

Amanhã é primeiro de fevereiro...
E q saudade é essa que eu sinto no peito?
Uma saudade do que ainda não vivi, do perfume que ainda não senti,
do filho que ainda não tive, do amigo que ainda não fiz, do emprego que ainda não consegui.
Uma saudade do futuro...
uma saudade da serenidade que ainda não tenho,
da sabedoria que ainda não alcancei,
da paz que ainda não encontrei.
Hoje me sinto diferente pois choro por tentar parar com as saudades que ainda sinto do passado.
Saudades que apertam o peito e dão aquele nó na garganta...
Coisas que ainda guardo em mim mas que preciso urgentemente dizer adeus e vê-las indo embora,
uma a uma, no córrego da vida.
Preciso abrir espaço,
preciso de leveza,
preciso de mudanças,
preciso mudar de saudade.
Saudar o presente, sem ter tanta saudade do futuro também,
valorizar o que tenho agora, as conquistas e dores que carrego em mim
e que me fazem quem sou neste instante efêmero.

Pensando bem, não dá pra deixar ir embora no córrego da vida as coisas, lugares e pessoas que amei. Algumas eu deixxo partir, outras eu guardo comigo, singelos sorrisos, doces frases, trocas profundas, paisagens lindas...

Acho que tô com mais saudade do passado agora! O passado não passou, ele está em mim, ele pulsa em mim, que eu traga dele apenas a leveza do que teve o seu tempo de ser vivido, que eu aprenda a lidar com o fim, com a mudança, e que eu possa acolher as saudades de ontem, de hoje, e de sempre.

"dessa saudade que eu sinto
de tudo que eu ainda não vi"

sábado, 5 de janeiro de 2013

A mudança do início

Para começar o ano, pego emprestado palavras de duas mulheres apaixonantes: Viviane Mosé e Martha Medeiros. Já que a verdade é não-toda, que a arte nos permita brincar com ela.

LÚCIFER E OS LÚCIDOS

(Martha Medeiros)

"Lúcido deve ser parente de Lúcifer
A faculdade de ver deve ser coisa do demônio

Lucidez custa os olhos da cara
"

Estou embriagada pelos novos poemas de Viviane Mosé. Esta é só uma palhinha de Pensamento Chão, um livro essencial nesses tempos em que já sabemos que não convém circular de Rolex por aí, já sabemos que certos políticos nunca ouviram falar em honra, já sabemos que o verão vai ser sufocante e só nos resta olhar um pouco para dentro de nós, único lugar onde ainda encontramos alguma novidade.

Essa visão inusitada que Viviane nos oferece sobre lucidez, por exemplo, é um convite para a reflexão. Em tempos insanos, de tanta gente maluca por vaidade, maluca por juventude, maluca por dinheiro, maluca por poder, os lúcidos destacam-se pela raridade. São aqueles que não inventam personagens de si mesmos, não se trapaceiam, não criam fantasias, ao contrário: se comprometem com a verdade. E se envolver assim com a transparência dos fatos requer uma integridade diabólica. Para olhar o bicho nos olhos é preciso ser bicho também. Enfrentar a verdade é quase um ato de selvageria.

Mas que verdade é essa, afinal? É aí que o demônio apresenta sua conta, pois o lúcido tem que se confrontar com uma verdade desestabilizadora: a de que não existe verdade absoluta. Nossos pensamentos não estacionam, nossos desejos variam, o certo e o errado flertam um com o outro, não há permanência, tudo é ilusório, e buscar um porto seguro é antecipar o fim: a única segurança está na morte, será ela nosso único endereço definitivo. Durante o percurso da vida, tudo é movimento, surpresa e sorte.

O lúcido faz parte do time - cada vez mais desfalcado - dos que se desesperam como todo mundo, porém de um modo mais íntimo e refinado. O lúcido organiza sua loucura, acondiciona o que está solto no ar, interliga várias idéias independentes para que, agarradas umas nas outras, não se dispersem, estejam ao alcance da mente. Quanto mais o lúcido pensa, mais percebe que lucidez plena não existe, o que existe são suposições, algumas até coerentes, e que nos mantêm no eixo. Lúcido é aquele que sabe que lucidez é uma falácia, e não pira com isso. Recebe a conta das mãos do demônio, calcula os ganhos e os prejuízos, e paga. Custa sim, Viviane, os olhos da cara, pensar, pensar, pensar e repensar, pensar e compensar, pensar, pensar, pensar e morrer do mesmo jeito. Por isso achei tão interessante seu poema. Você matou a charada: Lúcifer é uma espécie de padroeiro dos lúcidos - e lúcido é só um outro nome para louco. O louco que tem a cabeça no lugar demais.

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Versos de Viviane Mosé

"Pessoas pedem o que não tem noção do que seja"

"Cada um só sabe mesmo as coisas que suporta saber
Não sabe outras"

"Dizem que a vida e a palavra andam transando
(parece que é uma questão de língua)"



"Acho que o ofício de ser gente me excessiva.
Pessoas são pessoas o tempo todo demais.
Ser gente me excessiva.
Gente me excessiva.
E me falta"


"Afirmar a vida é afirmar o corpo.
Afirmar o tempo no corpo.
O tempo do corpo. O chão.
Afirmar a vida é afirmar a morte."


Dos livros:
Medeiros, Martha. Doidas e santas. Porto Alegre, RS, 2012.
Mosé, Viviane. Pensamento chão. Rio de Janeiro, Record, 2007.