sábado, 26 de junho de 2010

Amor à primeira vista?


Com o tempo, vamos vendo o quanto situações novas que surgem em nossas vidas não são tão encantadoras e apaixonantes à primeira vista, mas precisam de todo um processo de conquista, de adaptação, de tempo para o amor (tão sonhado) se consolidar.

E isso em várias situações. Podemos começar pensando num bebê que é concebido, o príncipio da vida de todos nós. O casal de pais, logo que recebe a notícia da gravidez, pode se assustar bastante e ficar cheio de insegurança, mesmo sabendo e desejando conscientemente essa possibilidade. Mas calma! Com o tempo, vai se elaborando essa grande novidade, e o casal pode ir se encantando e se apaixonando por aquele ser que vai sendo tecido aos poucos no ventre materno pelo milagre da vida, e aos poucos, aquele amor vai aumentando e contribuindo para a arte da vida, para a tecitura do organismo e dos afetos daquele novo ser.

E o bebê nasce e o amor não é tão à primeira vista, pois a princípio ele é um estranho que chega em casa, cheio de demandas diferentes que altera toda a rotina da família, a vida do casal, a vida familiar. E um novo relacionamento terá que ser construído, um grande amor será formado. Haverá uma ação e uma reação (e ações e reações) dos membros dessa relação: mãe e bebê, pai e bebê, pais e bebê, familiares e bebê. E aos poucos, aquele amor irá crescendo, se expandindo, se fortalece o encantamento de um pelo outro. E é dessa conquista inicial que todos nós nascemos enquanto humanos, enquanto sujeitos.

Bem antes do surgimento desse novo ser, acontecia o princípio do relacionamento dos pais, enquanto homem e mulher. Pode ter havido um interesse e atração imediatos, contudo, o amor firme, construído, só veio com o tempo, com a convivência, com a descoberta das afinidades, das diferenças que acrescentam, das admirações, da tolerância com a diversidade que contém o outro ser. E é um processo contínuo, constante de amor que vai amadurecendo, superando barreiras e crises, se fortalecendo, se tornando um amor mais sólido, mais seguro e mais belo do que aquele sentimento que emergiu no primeiro encontro inicial. É o "amor mingau de aveia", que vai sendo mexido aos poucos e constantemente para não desandar. (esse termo aparece no livro "We -A Chave da Psicologia do Amor Romântico", da coleção que inclui "He - A Chave do Entendimento da Psicologia Masculina", "She - A Chave do Entendimento da Psicologia Feminina").

E em amizades podemos vislumbrar isso também. De um conhecimento inicial que travamos com várias pessoas, apenas algumas despertam um toque inicial de afinidade que aos poucos vai se solidificando, se tornando amizade, participando de momentos da vida em comum, eventos de tristeza, de vitória, de batalha, relatos compartilhados das versões que construímos para o enredo de nossas vidas. A amizade também não é tão à primeira vista, vai se revelando aos poucos, se abrindo como uma rosa que vai desabrochando e exalando agradável aroma.

Nas atividades que desenvolvemos na área profissional, também vemos que no início, não há aquele amor todo. Há um estranhamento no começo, um “como será que vai ser?”, “será que vou dar conta?”, num ambiente inicialmente desconhecido que demanda novos desafios e que traz novas pessoas ao convívio. E após a ansiedade inicial, não é que aos poucos vamos caindo nas rédeas do amor pela nossa ocupação naquele determinado lugar, vamos assumindo aquilo com coração, vamos aprendendo a lidar com as novas situações que surgem, com as novas demandas, vamos nos sentindo mais seguros para vivenciar essa nova história de amor que também é nossa vida profissional (naquele determinado momento assim como em outros)? Momento em que podemos inscrever nossa particularidade no laço social, servir às pessoas com nossos dons e habilidades e aprender que o crescimento profissional também é contínuo, e que esse amor vai longe em nossa história de vida.

Com tudo isso, percebemos que não tem jeito: o amor pela mudança não é à primeira vista. Primeiro, vem a dor, o desconforto, o medo do desconhecido, a insegurança – tudo isso desde que nos aventuramos a aprender a andar, quando algumas vezes acabamos por cair, mas persistimos. Persistência é fundamental para experenciar histórias de amor, para se manter nas situações que não amamos tanto ainda, assim como paciência para aceitar a espera, respeitar o tempo das situações, que não é controlado por nós.

Aos poucos, num processo poético, vamos dando os passos que traçam o rumo de nossa vida, vamos alternando momentos de alegria e tristeza, perdas e ganhos; às vezes caminhamos para frente, às vezes para trás. Consolidamos alguns amores, encerramos com outros. É a história de amor mais preciosa que temos na vida: história de amor com a gente mesmo(que engloba todos os amores já citados anteriormente), com a busca de consolidar o amor pela vida, procurar vivências e experimentações benéficas que ela pode nos trazer, sabendo dos riscos, das mudanças, da necessidade de processos, do tempo, e não deixando de VIVER. Que venham os amores não tão à primeira vista...E que saibamos ter persistência e paciência para aceitar o tempo de espera...

domingo, 20 de junho de 2010

Mudar o Olhar: Aprender com a Água



Após ter tido contato com a cultura cristã ocidental, católica, em boa parte da minha formação inicial enquanto pessoa, nos últimos anos venho num processo de leitura de outras tradições que, para além de rituais religiosos, nos ensinam sobre o humano e seu anseio de ligação com o sagrado, que refletem em sua ligação com a existência individual e coletiva. Independente de crenças individuais, podemos ampliar nossa visão com a aprendizagem que outras sabedorias podem nos acrescentar.

Cada tradição religiosa, cada livro considerado sagrado, nos traz preciosidades que informam o modo como cada cultura lidou com essa questão da espiritualidade, e com certeza contém amplos ensinamentos que vão além de nossa humilde compreensão. Será que diante de tamanha diversidade de religiões, podemos vislumbrar temáticas comuns?

Nesse texto não pretendo explorar essa questão, que é ampla e exige vasto conhecimento da diversidade religiosa. Contudo, podemos pensar na riqueza da gente poder mudar o olhar e aprender com outras lições que tocam o íntimo e o profundo que dizem respeito ao humano. Pensemos um pouco: Porque o diferente assusta? Por que, em geral, do diferente não quero nem saber, deixe ele lá e eu aqui? Será que quero apenas o familiar, o conhecido, tenho medo do novo, de abalar minhas convicções?

Mudar o olhar nos faz ir além, nos faz avançar em nosso processo de compreensão de mundo, do humano. E a mudança não somente para onde olhar, mas a forma de olhar. Sem medo, sem preconceito, mas com a vontade e coragem de uma criança com sede de desbravar o mundo, onde tudo é novo e encantador.

Por que não manter aquela dose gigantesca de abertura para o mundo que tínhamos quando crianças? Agindo assim, poderemos vivenciar o deslumbramento diante de histórias de outros lugares (mitológicas, religiosas, filosóficas), que também dizem respeito a nós, por serem de gente como a gente que se aventurou em busca do mistério, do desconhecido chamado existência. Histórias de busca, de êxtase místico, de orientações para a vida, de riqueza interna que nos une ao próximo de uma maneira sem igual. Somos todos humanos e construímos instituições religiosas que infelizmente, em geral, acabam por deixar de lado os ensinamentos originais de respeito ao próximo, de busca de comunhão, da aceitação da origem comum das fontes religiosas que, com grande tristeza, vemos se transformarem, às vezes, em fanatismos que dividem ao invés de unir.

E dividir provavelmente não é o objetivo inicial da espiritualidade (para além de rituais religiosos, dogmas, nos concentremos na vivência dessa busca - espiritualidade). Busca de nos ligar com o sagrado, com o oculto, com o mistério da vida e, sobretudo, com nossa condição de humano, de incompleto, de peregrino nesse mundo provisório, de ser em desamparo que almeja por sentido e significado. Buscar a constância num mundo transitório por excelência.

Podemos nos lembrar do desafio que nos lança a leitura do Tao Te Ching*: “esvaziar-se e ser natural como a água que flui no vale”. A simplicidade e naturalidade desse livro pode nos chegar como uma poesia doce que acalenta uma madrugada solitária. E que não esquecemos a ligação da acupuntura** com o taoísmo*** (há relação da acupuntura com conceitos básicos do taoísmo, como yin e yang) .

A VIRTUDE É COMO A ÁGUA
Uma pessoa virtuosa é como a água.
A água tem três características especiais: a primeira é que nutre as inúmeras coisas.
A segunda é que é naturalmente maleável – fluindo para onde a natureza leva.
A terceira é que se localiza em lugares baixos, desprezados pelas pessoas. A água se localiza em lugares baixos. Os virtuosos se colocam abaixo das outras pessoas.
A água é profunda e tranqüila, os virtuosos são perspicazes e calmos.
A água provê a subsistência das inúmeras coisas. Os virtuosos dão de si sem esperar nada em troca.
A água fornece um reflexo acurado das coisas. Os virtuosos são honestos e não decepcionam com palavras e atos.
A água é maleável. Assume todos os tipos de formas. As pessoas deveriam aprender com sua natureza pacífica. Beneficiando o mundo e sendo humilde, você se aproxima do Tao.


Que possamos ser maleáveis, abertos a novos olhares, a reflexões. E que aprendamos com o gênio Saramago que apesar de ser considerado ateu, soube vivenciar o humano em sua plenitude ao nos nutrir com suas palavras em português, refletindo sobre o humano, a existência, a hipocrisia, sobre a feiúra e beleza de ser gente.

Referências bibliográficas:
Lao-Tse. TAO TE CHING: O Livro do Caminho e da Virtude. (tradução Wu Jyh Cherang) 3a. ed. - Rio de Janeiro: Maud, 1998.
Tsai, Chih-chung. Tao em Quadrinhos. tradução Maria Clara de B.W. Fernandes - Rio de Janeiro; Ediouro, 1997.


* Escritura considerada sagrado pelos ensinamentos que revela, corresponde a uma tradição que integra filosofia, ciência e religião à experiência. Estrutura central do taoísmo.
**Técnica de inserir agulhas com fins terapêuticos. Prática que teve origem na China e hoje é praticada no mundo todo.
***Corresponde à tradição que vem do passado, que revela a origem; vem de dois ideogramas chineses - Tao: caminho (idéia de origem de todas as coisas) e Diao: ensinamento.

sábado, 12 de junho de 2010

Escolha o seu desejo


Escolhas, responsabilidade, sujeitos. Com o tempo, percebemos que além de fazer escolhas e estar cientes da nossa responsabilidade pela nossa condição de sujeitos, temos que “bancar” a escolha feita o tempo todo.

Mas o que seria isso? Não basta escolher e ponto final, o filme termina. Temos que estar revendo nossas escolhas com o passar do tempo, e ver se queremos mantê-las, se queremos isso de verdade para nossas vidas, no momento atual que experenciamos, ou se nosso desejo se encontra em outro percurso.

Podemos voltar a escolher o que a vida nos apresentou, ou seja, para onde nos levou as consequências e efeitos de nossos atos, de nossas escolhas iniciais, que é claro estavam inundadas de nossos desejos. Mas não sem antes nos questionar: estamos de fato felizes traçando esse percurso para nossa vida? Se não estamos, qual o motivo? Será a insatisfação que persegue a condição humana, ou será de fato a balança pesando mais para um lado do que para outro?

E como é difícil saber o que queremos, qual é o nosso desejo. O mais fácil é reclamar, é dizer-se insatisfeito, do que dar uma visão panorâmica em nossa vida e pensar: é isso mesmo que quero para mim? Onde estou agora? E para onde quero ir e porquê? Quais os planos alternativos? Onde me encontro feliz também e porquê? O que eu gosto, o que me dá prazer? O que tenho feito por mim? Tenho cuidado de mim?

Nossa escolha não é realizada num vácuo,numa bolha isolada do mundo, mas há todo um manancial de afetos, sentimentos, pensamentos pessoais, além de todo um contexto sócio-histórico-cultural, há oportunidades que surgem e precisamos estar atentos e dispostos a encarar, ou não, nesse momento. Ou fugimos ou escolhemos, vivemos (fugir também é uma escolha, da escolha podemos dizer que não há fuga propriamente dita, sempre somos ativos e responsáveis por nossa vida), correndo os riscos e pagando para ver as conseqüências de nossa decisão. Qual é o nosso desejo?

Que responsabilidade! Que Arte! Que desafio! Maior do que saltar de pára-quedas ou andar na montanha-russa!

Vamos imaginar. Uma situação nos acontece. Há busca de outras vivências. Há o encontro com o novo – o choque, o medo e o desejo. Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som... (Lulu Santos) Um dos paradoxos da existência humana, conviver com pólos opostos (vida e morte, amor e ódio, solidão e companhia) e dar uma resposta a isso.

E alcançamos conquistas. Tão sonhadas! Que alegria! E que dor! Ter que começar tudo de novo, ter que mudar, ter que sair de uma posição cômoda e... se movimentar! Dá gasto de energia, não tem jeito! Tem processo de adaptação. Tem processo de luto pela morte daquilo que deixamos para trás. Tem estranhamento inicial. Tem ansiedade. Enfim, tem vida e tem morte também.

E o novo, a princípio, vem acompanhado de desconforto. Como vai ser agora? Eu sabia como era lá e não aqui (exemplos: eu sabia como era morar lá e não aqui , como era ser solteira e não casada, como ser universitária e não profissional, como trabalhar lá e não aqui...).

Saí de minha zona de conforto. Estou correndo riscos. Mas ao mesmo tempo eu quero esse risco! A roupa velha já não me interessa mais, o passado passou, quero o futuro com tudo que tenho direito e desejo! E dever, responsabilidade, as dores, serão inevitáveis, eu sei, o pacote é completo.

Quero então pintar tela do quadro da minha vida com as mãos sujas de tintas, calejadas, cansadas, insatisfeitas, satisfeitas, por terem, lutado. Uffa! E as vivências deixarão marcas no livro da vida, na arte de ser autor da própria vida, apesar dos determinismos e limitações.

Olha:
a vida é nova.
A vida é nova e anda nua.
Vestida apenas com o teu desejo.

Mário Quintana

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Importância da Despedida


No começo do novo trabalho ao qual me aventurei neste ano, fiquei mais próxima de uma colega de trabalho. Chegávamos juntas ao trabalho, e iamos embora também. Compartilhamos descobertas, conquistas e dificuldades do início da vida profissional, ansiedade e expectativa com o novo emprego. Aos poucos, fomos nos adaptando à nova mudança.

E chegou a hora de minha amiga partir, agora para outro emprego. E essa mudança não foi só para ela, mas para mim que não teria mais sua companhia diária, seu sorriso doce e acolhedor.

E fiquei um pouco triste inicialmente. Lembrei de outro emprego que tive, em que logo que comecei, fiz duas amigas, e no mês seguinte elas também partiram para outros rumos. No ano passado, também fiquei triste ao saber que uma amiga tinha saído do emprego que eu também trabalhava. Contudo, todas partiram para coisas melhores, e isso também me deixa feliz por vê-las em busca de mudanças melhores, e até me inspira para essa luta também.

Em situações novas, gostamos de ter outras pessoas por perto, nos sentimos mais seguras ao poder falar da nossa mudança já que o outro também está enfrentando algo parecido. Muitas vezes nos sentimos até mais fortalecidos por ter com quem compartilhar. Podemos pensar que é muito reconfortante poder compartilhar mudanças, perceber que elas são difícies para outras pessoas também, e que aos poucos vamos entrando no ritmo das mudanças que se apresentam às nossas vidas. Mudanças nos fazem conhecer novas pessoas, ver outras formas de conviver, de relacionar-se, nos propiciam crescimento emocional.

E eu sabia que essa mudança era diferente das anteriores. O momento é outro, as pessoas são outras, o lugar é outro, e eu também mudei.

E então, não me paralisei na tristeza, mas pensei em fazer algo para mostrar para essa amiga o quanto ela tinha sido importante. Desse vez, eu teria tempo de me despedir, um presente que a vida me deu, já que das outras vezes, fiquei sabendo depois que minhas amigas partiram. Conversei com outros colegas de trabalho, e escrevemos mensagens na cartolina para ela, e a cartolina foi entregue junto com um belo vasinho de flores.

E como eu senti que mudou o sentimento dentro de mim. A tristeza foi embora, senti um alívio e percebi que não tinha que chorar pelo fato dela ir embora, mas sorrir pelo fato de tê-la conhecido, de termos passado bons momentos juntas.

Percebi também a importância da gente poder dizer "até logo", "boa sorte", e de olhar de outra forma para perda, já que talvez nem podemos chamar de uma perda, apenas de mudança. O que se recebeu do outro não se perde, levamos conosco, dentro de nosso coração. Assim como o que doamos, não perdemos. Afinal, como já era dito no livro do Pequeno Príncipe, somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. E nossos contatos aumentam, e sempre teremos a possibilidade de nos comunicar, telefone, e-mail, visitas, etc.

E o período de adaptação está se consolidando. E há outras pessoas ao redor com quem podemos compartilhar e novas pessoas chegando também. Esse é o trem da vida, onde há as partidas, assim como as chegadas.

CANÇÃO DA AMÉRICA
(Fernando Brant e Milton Nascimento)

Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.