sábado, 18 de dezembro de 2010

Gravidez e Mudança


Depois de tantas mudanças abruptas que tinham acontecido em minha vida, essa eu não queria que seguisse o mesmo ritmo. Essa foi minha escolha, e a Natureza me ajudou nisso.

E nem pudia imaginar o quanto de mudanças a gravidez traria em minha vida, mudanças significativas que acrescentam um especial e singular amadurecimento.

Mudanças não relacionadas a enjôos nem vômitos, nem mal-estares, apesar do espanto de algumas pessoas ao redor por ausência desses sintomas típicos (será?) de gravidez. Mudanças não relacionadas a uma curiosidade gigantesca de saber o sexo nem ao desejo de fazer um milhão de ultra-sons (você ainda não sabe o sexo, ainda não fez outro ultra-som? – mais espanto!). É engraçado como alguns ficam mais curiosos que nós em relação a nossa gravidez.

Mudanças não relacionadas a uma gravidez com data marcada para a cesária e mais espanto ainda de algumas pessoas (mesmo sendo profissionais de saúde) – "Que coragem, você vai tentar o parto normal?" – como se eu fosse um ET, vindo diretamente de outro planeta, por querer vivenciar algo natural pelo qual várias mulheres já passaram.


A gravidez é um período de intensas transformações: corporais, emocionais, relacionais, e acredito que até espirituais e existenciais. Cada fase da gravidez é nova, traz novas vivências e experimentações. Cada período é único e inesperado.

No início, vem o resultado e o mundo não muda totalmente por causa disso, apesar das lágrimas de emoção do casal e daquela sensação de friozinho na barriga diante de tão grande aventura em que se embarca. Acredito que o apoio do marido é fundamental desde o começo, e é importante respeitar as diferenças que vão aparecer no modo de cada um lidar com a gravidez.

Seios incham mais do que costumam inchar no período anterior ao início do ciclo menstrual, começa-se a fazer muito xixi, o sono pode aumentar bastante, surge um cansaço diferente que talvez não deva ser chamado de cansaço, mas de desejo de recolhimento para se preparar para a grande mudança que está por vir. Afinal, dá trabalho criar uma nova vida, ainda mais no início que é tão delicado.

Pode vir a vontade de contar (pessoalmente) a notícia primeiro para as famílias de origem do casal, para depois espalhar com alegria pelo mundo a arte de gestar um novo ser. E isso também faz parte de estar grávida: a comoção das pessoas ao nosso redor (no momento inicial e ao longo da gestação), o apoio e o reconhecimento de que ali já há duas vidas e não apenas uma.

E a fase inicial pode vir com muita alegria, quase euforia. Mas os dias vão passando e o humor pode mudar, vir pitadas de tristeza e sensação de fragilidade. Nessas horas, é bom a gente pesquisar com nossas mães, se possível, saber como foi o período em que elas nos gestaram, o que aconteceu, em que período, o que pode nos explicar bem os sentimentos que vivenciamos, pois muitas vezes, inconscientemente, acabamos por vivenciar o que sentimos no período em que estávamos também sendo gestados e que ocorreu algo que pode ter afetado nossas mãe e nós consequentemente.

O corpo da grávida vai passando por modificações, aparece a emoção de ouvir pela primeira vez o coraçãozinho batendo, como se agora “caísse a ficha”. Afinal, não basta saber do teste positivo de gravidez. A Natureza fez a gravidez nos seres humanos ser suave, talvez para que aos poucos vá havendo um preparo e uma proximidade maior com essa grande novidade, para ir acolhendo o novo ser que vai sendo formado. É uma mudança bem diferente: temos meses para nos preparar, não adianta a gente ficar ansiosa, mas podemos estar aprendendo mais com a beleza do tempo natural da vida. Um tempo especial de espera, delicado, suave, com mudanças a seu tempo.

O urinar frequente (e em grande volume) e o sono excessivos passam, voltamos a nos sentir mais dispostas, o fim do primeiro trimestre vem. As mudanças hormonais vão aflorando cada vez mais e podemos nos sentir mais bonitas, femininas, com pele e cabelos mais vistosos. Podemos nos sentir mais sensuais e atraentes.

Realizar uma atividade física pode nos auxiliar enormemente a manter a disposição e cuidar de nosso corpo nesse período especial. A yoga para gestantes pode ser uma atividade maravilhosa que além de relaxar corpo e mente, trabalhar com respiração, nos auxilia com suas posições para que possamos nos preparar para um parto normal, e sobretudo, para que possamos nos concentrar nessa ligação com o bebê e fortalecer esse vínculo. Procurar uma integração com nosso corpo é fundamental para nós e nosso bebê. A gravidez é um ótimo período para nos voltarmos para nosso corpo e ampliar nossa consciência corporal. Precisaremos muito disso nos primeiros cuidados essenciais com o nosso bebê também!

Sentimos as novas e diferentes emoções de sentir o bebê mexer, podemos sentir a necessidade de repensar relações familiares e situações mal resolvidas precisam vir à tona para serem solucionadas e não mais camuflados. Precisamos amadurecer mais ainda e superar dificuldades infantis que carregamos. Podemos nessa fase descobrir o sexo do bebê, dar um nome a ele, passar a chamá-lo pelo nome e espalhar para todo mundo a notícia. Passar a se dedicar mais ao enxoval, ver (e comemorar com o marido) a chegada dos móveis do quarto do bebê e ver o espaço para aquela nova vida cada vez mais ir se ampliando.

Chega o terceiro trimestre e a proximidade do parto vem com uma mistura de ansiedade e expectativa. Procuramos informações, fazemos cursos, conversamos com outras pessoas, trocamos idéias e tentamos nos preparar para isso para o qual não há preparo (há e não há; é preciso que busquemos esse preparo, mas não saberemos como será na hora; contudo, esse preparo pode ser de grande auxílio). Intensificam-se as conversas com o obstetra sobre esse momento, sobretudo após obtermos informações e evidências científicas que possam nos dar embasamento para que possamos questionar esse processo do parto e visitar os locais onde ele possa vir a ser realizado. Procurar informações é essencial!

Apesar de eu ter iniciado falando do teste positivo de gravidez, penso que a gravidez não se inicia neste momento. Quando se inicia então? Quando somos crianças e brincamos de boneca, de casinha, com coleguinhas representando marido, filhos e tudo? Quando cuidamos de um irmão mais novo e temos um boneco real para sonhar ser mãe na vida real, para ensaiar para isso? Quando conhecemos o amor das nossas vidas, casamos e ficamos sonhando com os filhos que vamos ter?

Será que, indo mais além, a nossa gravidez pode se relacionar a toda uma época anterior à nossa própria existência? Será que se relaciona à história de tantas mulheres que pariram ao longo de toda a humanidade, sem tantas intervenções que vemos hoje na rotina hospitalar, mulheres que deram vazão a seu lado mais instintivo e mágico de ser mulher e ter a capacidade de gerar uma vida, de dar uma significado às dores como um ritual para uma nova fase de suas vidas, um renascimento que pode possibilitar uma forma de se sentir mais fortalecida para fornecer os essenciais cuidados inicias dessa nova vida?

Acredito que essa última opção nos faz sentir mais conectadas ao universal da humanidade e ao mistério encantador do sagrado feminino. Hoje vemos um excesso de cesárias – que não deixa de ser uma cirurgia de grande porte – principalmente no Brasil. O recomendado pela Organização Mundial de Saúde é de 15% de cesarianas do total de partos realizados, no Brasil na rede particular esse índice pode chegar a 80%, e na rede pública a 30% – dados de pesquisas que vi num curso que fiz: “Oficina do Parto – Curso de Preparação para o Parto e Maternidade” (para saber mais clique aqui).

É claro que a cesariana tem salvado muitas vidas – de mães e bebês – quando a gravidez costuma ser de risco, mas seu uso tem sido ampliado e tem suas conseqüências sobre a saúde da humanidade. Será que é nossa tentativa de controle sobre essa surpresa tão grande de sensações e sentimentos que podem emergir durante o parto normal? A busca cega de “não sentir dor”, mas que é enganosa, pois a cesariana traz consigo muita dor também, e ainda retira nossa atividade enquanto mulher nesse momento precioso que é o nascimento de um filho, pois ficamos mais passivas. Uma tentativa racional de controlar um evento tão natural da existência humana – o ato de parir um filho – pelo saber médico, científico, tão endeusado nos dias de hoje? Fora as intervenções discutíveis que também podem ser realizadas durante um parto normal hospitalar.

Por outro lado, vem sendo propalado todo um discurso de humanização, que busca propiciar meios de tornar esse momento do parto mais humano, que a mulher possa parir em outras posições (como de cócoras, na banheira), caminhar durante o trabalho de parto, não ter que ficar de jejum nesse período em que precisa de tanta energia, ter direito a acompanhante de sua escolha. Mulheres que buscam o empoderamento, à procura de se sentirem mais ativas nesse evento marcante de suas vidas, questionam médicos, podem chegar a mudar de obstetra às vezes às vésperas do parto, etc. Há aquelas que voltam a parir em casa, nos partos domiciliares, como acontecia antigamente, mostrando o quanto natural pode ser esse momento.

Podemos então refletir que a gravidez pode ser encarada como um evento natural, fisiológico, sem excluir os efeitos da cultura, da subjetividade de cada mulher, da experiência singular e única que é viver essas situações preciosas que são conceber, gestar, parir e estar fortalecida para cuidar de uma nova vida.

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