terça-feira, 4 de maio de 2010

Eros e Psiquê


O amor não pode viver sem confiança.”

Psique era uma bela moça que atraía os olhares de todo o reino, chegando a despertar inveja na deusa da beleza, Afrodite. Incomodada com a rival (parece até a madrasta da Branca de Neve), a deusa envia seu filho, Eros, para disparar flechas em Psiquê para que ela não venha a ser feliz no amor.

Eros se encanta de tal forma com a beleza de Psiquê, que acerta as flechas em si mesmo, se apaixonando pela bela. Após tantas travessuras causando confusões amorosas entre deuses e mortais, o belo deus do Amor é ferido com a própria flecha.

As irmãs da moça se casam, menos ela. O pai se preocupa, vai consultar um oráculo, que avisa que ela se casará com uma serpente horrenda e terá que ser deixada no cume do monte para cumprir o previsto. A família se entristece mas obedece à ordem do destino.

Psiquê, ao estar só no monte, é levada por Zéfiro, o deus do vento, a um belo castelo, onde banquetes e locais agradáveis lhe espera, além do amado que a visita todas as noites. Ela desfruta do lugar, mas tem que respeitar a condição do esposo de não ver o seu rosto. A jovem se encanta pelas gentilezas dele, mas fica confusa por não poder ver seu o rosto (parece história da Bela e a Fera).

Numa noite, não resiste de curiosidade. Pega uma lamparina, aguarda o amado adormecer e vem a inesperada visão: que monstro que nada, como era belo a figura do esposo, como se fosse um deus - e de fato o é! Encantada, Psiquê deixa derramar uma gota de azeite quente da lamparina no rosto dele, que acorda e sai magoado da casa, dizendo: "O amor não pode viver sem confiança."

Psiquê entra em desespeto, anda pelo mundo atrás do amado, chega a se submeter aos caprichos de Afrodite, que lhe dá trabalhos difíceis (alguma semelhança com a madrasta da Cinderela?). Com ajuda dos deuses, a moça consegue cumprir as difíceis tarefas impostas. Então, a deusa lhe pede mais uma: descer ao Inferno e pedir a Pérsefone que guarde um pouco de beleza em sua caixa, para que a deusa da beleza pudesse ficar ainda mais bela ao receber a caixa que teria que ser trazida por Psiquê. A bela então se dirige para sua derradeira tarefa. Alertada por Perséfone do perigo de abrir a caixa, a moça não resiste em poder ficar mais bela para seu amado Eros. Ela abre a caixa e adormece um sono quase mortal sobre a erva (A Bela Adormecida? Branca de Neve?).

Eros vai de encontro a ele, a beija, consegue despertá-la com o sopro do amor. Com intercessão de Zeus, Eros consegue apoio para o amor do casal, inclusive da mãe. Zeus entrega a moça uma taça de ambrosia, dizendo: "Bebe isso, Psiquê, e sê imortal. Eros jamais romperá os laços aos quais já se encontra atado. E que essas núpcias sejam eternas." E foram felizes para sempre...

E que bela história de amor, um amor que supera barreiras, crises, falhas, dificuldades. Eros e Psiquê não são os mesmos do primeiro encontro, e ao mesmo tempo são. Aquela grande busca do amor após momentos felizes, se vê abalada pelas imperfeições dos personagens: curiosidade, falta de confiança, orgulho, dificuldade de perdoar, fuga ao invés da busca do diálogo.

Apesar de tudo, o amor é mais forte, unindo dois seres opostos que sonham ser um e que se vêem nas qualidades do outro, assim como nos defeitos. Já dizia Jung que "Relacionar-se é ver-se", e é difícil ir de encontro a alguns espelhos, mais visíveis ainda nos realcionamenos amorosos. É duro ter que assumir dificuldades (que não está só no outro, mas em mim também...), realizar tarefas para superá-las (amadurecer, aceitar nossa falibilidade, aprender a ser tolerante, compreensivo).

Enfim, tornar-se alguém digno de viver uma linda história de amor, a fazer do amor o seu mais belo anseio e luta. Amor verdadeiro exige esforço, luta, tolerância, comunhão, e tudo regado a muito amor que, por incrível que pareça, pode crescer a cada dia, como uma flor que desabrocha e traz tanto perfume que harmoniza as dificuldades do cotidiano da vida adulta... Um amor que se torna protótipo do divino e nos aproxima da transcendência...

Essa bela fábula de Eros e Psiquê também é considerada como alegórica (assim como podemos imaginas que os contos de fadas também contém elementos alegóricos), e, com certeza, contém misteriosos significados não alcançados por nossa vã filosofia.

Psiquê, em grego, significa borboleta, e também alma, sopro de vida. A imortalidade da alma é assim ilustrada como a de uma borboleta, criando asas resplandecentes e libertando-se da prisão mortífera do casulo, depois de uma enfadonha e rastejante vida como lagarta, para voar no resplendor do dia e alimentar-se das mais perfumadas e delicadas produções da primavera.

Psiquê é, nessa visão, a alma humana, a qual é purificada pelos sofrimentos e desgraças, preparando-se, assim, para desfrutar de pura e verdadeira felicidade.

Que saibamos encarar os sofrimentos da vida de frente, em busca do amor e da vida, e do sonho de um dia ser uma linda borboleta voando livre nas doces primaveras...

Referência blibliográfica:
Mitologia Vol. I - Coleção da Abril Cultural, 1973.
Bulfinch, Thomas. O Livro da Mitologia - Histórias de Deuses e Heróis. São Paulo: MArtin Claret, 2006.

Eros e Psiquê (poema de Fernando Pessoa)

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

(*Imagem: Psiquê recebendo o primeiro beijo de Eros, François Gerard. Museu do Louvre, Paris.)

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