domingo, 4 de abril de 2010

A Flor e a Transitoriedade


Nessa semana, foi notícia o florescimento das cerejeiras no Japão, flores que surgem uma vez ao ano e duram apenas uma semana, momento que é celebrado ao ar livre por lá, lembrando a preciosidade e transitoriedade da vida. Essa planta, chamada Sakurá pelos japoneses, é o símbolo da felicidade no Japão, e na época de seu florescimento, as crianças começam a escola e os recém-formados saem em busca de trabalho. O chá de pétalas de sakurá é utilizado em rituais como casamentos e ocasiões festivas.

Aqui no Brasil, podemos pensar no costume de dar flores em geral. Podemos ver que há presenteio de buquê de flores quando há nascimento de uma criança, assim como quando um homem quer conquistar uma mulher (seja num primeiro encontro ou após anos de casamento), assim como são enviadas coroas de flores quando há falecimento de um algum conhecido.

Vemos a presença das flores, portanto, em diferentes momentos da vida, no nascimento de uma pessoa, no nascimento (ou renascimento) do amor, na perda de alguém querida - na morte. A flor é um belo símbolo da transitoriedade, apontado que a vida implica em morte, e como as flores, um dia deixaremos de existir.

Há um texto poético de Freud chamado "Sobre a Transitoriedade" (vol. 14 das Obras Completas). Ele inicia o texto pelo relato de uma conversa com um amigo que também era poeta. Ao passearem pelo campo, num dia de verão, admiravam o esplendor da natureza. Contudo, o poeta admirava sem entusiasmo ou alegria, perturbado com o fato de que tudo aquilo estava destinado a morrer no inverno, da mesma forma que a beleza humana e todas as obras que fossem fruto do poder criativo dos homens sempre teriam um fim. Parecia-lhe que a transitoriedade tirava o valor daquilo que ele poderia amar ou admirar.

Freud, no entanto, acredita que a transitoriedade das coisas não tira o seu valor, do lado contrário, aumenta. Na sua visão, diferente da do amigo poeta, pelo fato daquela beleza um dia se extinguir, seu valor é aumentado. O famoso pensador se lamenta por não ter conseguido que o amigo se tocasse com suas considerações acerca da transitoriedade.

Freud então começa a questionar o que poderia ter levado o amigo a se fixar tanto nessa revolta contra a perda, e conclui que isso deveria estar ligado a nossa dificuldade de aceitar o luto, pela morte daquilo que amamos.

Somos muito apegados ao que amamos e nos é muito difícil dizer adeus ao que nos é muito precioso. Mesmo diante da guerra, que destrói vidas e lugares, Freud acredita ser possível manter nossa vontade de reconstrução mesmo diante do encontro com essa fragilidade da cultura - a destruição em massa.

Podemos supor que, ao nos darmos conta de nossas fragilidades - como da nossa dificuldade em nos desapegar das coisas, da nossa própria efemeridade, não precisamos recuar para o caminho da tristeza. Podemos, por outro lado, ficar mais cientes da transitoriedade e buscar lidar com as perdas e lutos com mais maturidade - já que fazem parte da vida, até que um dia possamos assumir nossa condição natural - sem tanta dor e pesar - de ser belos e efêmeros como a flor da cerejeira.

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