sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

"Não tenho mais 18 anos"



Às vezes ficamos tão distraídos... Novas mudanças mexem com nossa atenção e concentração diárias... E esquecemos coisas importantes... Por que será? Por que as mudanças mexem tanto com a gente, apesar de nosso desejo de que elas ocorram? Será que queremos esquecer do medo que temos de ter que enfrentar mais uma mudança?


E a mulher, distraída e ansiosa, esquece sua carteira. "Pouco dinheiro, mas tantos documentos! O que fazer????" - pensa. Que pânico ela sente.
Depois de um tempo, uffa! - alívio para ela. Uma boa pessoa que encontrou sua carteira a devolve com tudo que continha dentro - documentos e dinheiro.
Esse homem que encontrou a carteira esquecida não reconheceu a mulher ao vê-la, e ao saber que é esta a dona da carteira, diz que ela estava MUITO diferente da foto de sua carteira de identidade. "Ora, o que ele queria" - pensa ela. A mulher diz para ele:
- É. Não tenho mais 18 anos.
E o homem que achou a carteira diz:
- Entendo. Eu mesmo não me reconheço na foto de minha carteira de identidade.
E é essa a foto (dos nossos 17, 18 anos) que em geral fica marcada na nossa carteira de identidade. Só que nossa aparência já não é mais a mesma. E talvez nem nossa identidade a mesma também. A mesma mas não mesma.
Quantas mudanças já ocorreram na vida de cada pessoa adulta deste os 18 anos. Aos 18, quantos sonhos, tamanha a vontade de desbravar o mundo, de poder fazer aquilo que não pudia quando criança, de ser, enfim, adulto.
E agora, anos se passaram desde a época de nossa foto da carteira de identidade. A vida adulta chega a cada ano com mais força, derrubando algumas coisas, e trazendo novos ventos que possibilitam novas surpresas, novas mudanças. A descoberta de que a vida é feita de perdas e ganhos, de surpresas e repetições, de encontros e separações. De ventos que nos levam para caminhos inimaginados, que nos propiciam momentos felizes e novos desafios.
Estar ciente de que mesmo que almejemos mudanças, sofremos com elas também, pois são vividas como pequenas mortes, perdas, separações, situações de transição, de mudança de fase que nos faz relembrar de outras situações, outras perdas, outras mudanças. E não tem jeito: para o novo chegar é preciso abrir espaço para ele, perder.
E o homem que devolveu-lhe o esquecido já sabia muito da vida dessa mulher só ao abrir sua carteira para ver documentos que pudessem ajudá-lo a encontrá-la para a devolução. A mulher se surpreende ao saber que muito da sua vida estava revelado pelas pistas que havia em sua carteira. Onde trabalhava, onde morava, onde nascera, qual sua profissão, qual seu banco, um passeio que tinha feito no último feriado... Tudo isso cabia ali, dentro daquela carteira.
Contudo, ali não cabia tudo que ela vivenciou nesses anos de "vida adulta", anos de fortes e intensas mudanças. Tudo que ela vivia nesse momento atual de mais uma grande mudança - não cabia ali na carteira perdida e achada, a ansiedade não cabia ali, a expectativa, a gratidão à vida por ter conquistado aquilo que tanto sonhara - mais uma mudança sonhada se realizando, não sem dor. Afinal, todo o crescimento implica em perda, em dor, apesar da alegria e do gosto do desafio e da busca de superação.
E tudo que ela viveu nesse tempo de intensas mudanças não cabia na carteira mas pudia se ter pistas na expressão facial da mulher, em seu olhar, em suas palavras, na versão de sua história de vida contada por ela mesma aos poucos - que o homem pode perceber ao conversar com ela -, em sua busca de mudar e ter novos planos, apesar do medo e da ansiedade.
E ela não tinha mais 18 anos. Ainda bem. Agora ela está em outra fase, mais madura, concretizando sonhos e criando outros. Fase de um amadurecimento que segue seu rumo. Afinal, os "18 anos" foram apenas o começo.

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