sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Mudança do Parto: Dor e Poesia


Parir um filho é um dos momentos mais emocionantes da vida de uma mulher. Uma gigantesca mudança. Começa-se o trabalho de parto como gestante, carregando a promessa de uma vida. Termina-se com a consagração da promessa: um filho em seus braços, vida que pulsa sem cessar, repleta de uma grandiosa força.

Tenho pensado que quanto mais buscamos vivências com consciência, com mais qualidade experenciamos o mundo, mais nos sentimos integrados a um todo e capazes de nos vincular ao outro, de nos relacionar, assim como de descobrir nosso interior.

E porque com o parto seria diferente?
Um evento essencial para marcar a relação mãe e filho, para deixar inscrito na história da humanidade mais uma dádiva da natureza: a criação de uma nova vida. Até então, durante a gestação, a natureza do corpo feminino se encarregava de cuidar daquele novo serzinho que estava sendo formado aos poucos pela magia da vida. Mas ali na barriga, esse ser já era afetado pelas marcas da relação amorosa que lhe deu origem, pelo momento da concepção e pelas fases da gravidez. Sentimentos da mãe (e porque não dizer do pai também, mesmo que em menor medida)eram percebidos delicadamente pelo bebê, as palavras, gestos, meditações, visualizações, estresses, emoções, medos, relaxamentos e tensões. Sobretudo palavras, fundamentais para já ir dando lugar a esse novo membro na linhagem familiar. Tudo de uma forma bem sutil. E a Natureza do corpo da mulher dando conta de ir moldando aquela nova vida.


Até que o bebê dá o sinal de que está preparado para vir ao mundo - se isso lhe for permitido, visto que no mundo de hoje proliferam as cesarias com hora marcada que desrespeitam o tempo próprio do bebê. E o tempo próprio da mãe, que muitas vezes opta por essa marcação por desinformação ou medo das dores do parto normal. Cada mulher, cada pessoa, que sabe de suas escolhas e do porquê delas, não nos cabe julgar. Cada um supõe conhecer seus limites.

MAs proponho uma reflexão acerca do medo da dor que pode advir com o parto normal. Medo da dor? Mas que dor é essa? Não é como uma dor de dente, dor de um braço quebrado, dor da perda de pessoa querida. Mas uma dor diferente para cada mulher (lembrando que há mulheres que não sentem dor durante o parto, mas podem até ter orgasmo). Uma "dor" inserida em cada história de vida individual. Afinal, podemos nos questionar: como lidamos com nossas dores hoje em dia em que a cultura traz o imperativo de que todos temos que viver sorrindo - e consumindo de preferência? Por que camuflar a dor de existir, sempre presente na vida humana ao longo de toda história?

Não podemos esquecer que dor e poesia fazem parte da vida. E qual não é o espanto quando escolhemos estar abertas a essa dor, a dor do natural que é dar à luz... As pessoas em geral, ao verem uma grávida no final da gestação, já perguntam: "Para quando está marcada sua cesária"? "Menstruar para quê, viva sem menstruar", diz um comercial de TV. Parece toda uma tentativa de camuflar a natureza que faz parte de nós e que é vida.

A dor, seja qual for, é um sinal. E no caso do parto, a dor sinaliza o caminho que nosso bebê precisa percorrer para achar a saída do ventre, que será sua entrada no mundo. Um trabalho será feito quando é permitido um trabalho de parto normal. Um trabalho para a mãe, para a criança, para o pai se estiver disponível pára acompanhar a parturiente no processo.

E a beleza de participar de um processo. De por horas ir sentindo que seu filho cada vez mais se aproxima do mergulho no mundo, quanto mais seu corpo vai se abrindo para recebê-lo. Um mundo repleto de dificuldades, incertezas, frustrações, mas também cheio de alegrias, desafios, conquistas, possibilidades, belezas, vínculos. O pacote completo. As dificuldades, dores, obstáculos, moldam a pessoa que vamos nos tornando a cada dia, a dor está unida a poesia a cada respiro que damos, desde aquele inicial quando chegamos ao mundo.

A história de uma nova pessoinha começa, que afeta àqueles que se tornam pais, seus familiares, assim como afeta toda a humanidade. Isso implica em ganhos e perdas, crises e mudanças, dificuldades e belezas. Sentimos que precisamos ficar mais alertas na vida, mas ao mesmo tempo há uma leveza que retorna, como se voltássemos a ter aquela alegria juvenil que tinha ficado obscurecida diante dos percalços da vida adulta. Parece até que rejuvenescenos quando temos filhos.

Após o parto, mais um ser passa a existir, e carrega consigo várias possibilidades de ser no mundo, de a cada dia passar por mudanças lhe farão crescer, desenvolver seu potencial, se tornar mais sujeito, pleno, consciente de sua potência, e de sua falibilidade. Tornar-se mais humano implica em não fugir da dor, pois fugir dela, implica fugir da própria vida. Afinal, a dor sinaliza o caminho para a vida.

NÃO FUJA DA DOR
Titãs
( Marcelo Fromer / Charles Gavin / Branco Mello / Tony Belloto)
Não tome comprimido
Não tome anestesia
Não há nenhum remédio
Não vá pra drogaria

Deixe que ela entre
Que ela contamine
Que ela te enlouqueça
Que ela te ensine

Não fuja da dor
Não fuja da dor

Não tome novalgina
Não tome analgésico
Nenhuma medicina
Não ligue para o médico

Deixe que ela chegue
Que ela te determine
Que ela te consuma
Que ela te domine

Não fuja da dor
Não fuja da dor

Querer sentir a dor
Não é uma loucura
Fugir da dor é fugir da própria cura

*Imagem: obra da artista Amanda Greavette (Veja outras obras e informações em: http://thejoyofthis .wordpress. com/2010/ 11/06/the- birth-project/; http://amandagreave tte.com/; > http://amandagreave tte.blogspot. com/)

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