terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mudança e Felicidade

Nesse mês, a capa da Revista Mente e Cérebro apresenta "A ciência da felicidade - Atitudes que, na prática, ajudam e aumentam as sensações de alegria e bem-estar". Fiquei feliz ao ver o tema, afinal, a felicidade é a busca de todos nós. É claro que manuais não resolvem nossa vida, mas sempre podemos refletir acerca de como podemos melhorar nosso bem-estar.

Cada pessoa vai buscar a felicidade da sua forma própria, e de forma diferente ao longo da vida. Vamos crescendo, vamos passando por inúmeras mudaças e nossa visão do que é felicidade também muda. O que é felicidade para um bebê, para uma criança pequena, para um pré-adolescente, para um adolescente, para um jovem, para um adulto, para um idoso... vai mudando conforme o tempo, as experiências, os relacionamentos.

Antes de falar da reportagem, quero apontar idéias freudianas acerca da felicidade do texto chamado "Mal-estar na cultura" (1930). Freud começa comentando: "É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação - isto é, de que buscam poder, sucesso e riqueza para elas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida." (Freud, 1930, p. 81)

Será que podemos pensar que pessoas erram o alvo quando acham que estão buscando a felicidade? O que verdadeiramente teria valor na vida? Será que isso sim estaria vinculado ao conceito de felicidade?

Paralelamente, a reportagem divulga pesquisas recentes que indicam que ser feliz não tem nada a ver com ser admirado, ganhar na loteria ou ser promovido no emprego. Com o que ser feliz teria relação então?

De volta a Freud que já se questionava: o que as pessoas pedem da vida e o que desejam nela realizar? Ora, todos querem ser felizes e assim permanecer. Para isso, tenta-se evitar o sofrimento e o desprazer e experimentar sentimentos de prazer.

Paradoxalmente, Freud diz que o relacionar-se com o outro é a maior fonte de sofrimento ao mesmo tempo em que também é a maior fonte de felicidade.
Para evitar o sofrimento que advém com o relacionamento humano, uma das alternativas seria o de se isolar do mundo, o que Freud nomeia de "felicidade da quietude". Outra alternativa seria se inserir na sociedade, trabalhar com todos para o bem da comunidade.

O uso de drogas também é relacionado com a busca de felicidade, mas tem seus perigos e danos e pode se tornar um enorme desperdício de energia que poderia estar sendo usado para o aperfeiçoamento da humanidade.

Outra forma de buscar a felicidade estaria no trabalho psíquico e intelectual: no artista que cria sua obra de arte, no cientista que busca solucionar seus problemas, nas fantasias que enriquecem a vida de imaginação de cada um, na admiração do indivíduo com as obras arte, na satisfação do operário com seu trabalho.

Por fim, Freud enumera o que seria para ele a "arte de viver": combinar aspectos de diferentes possibilidades que nos fazem felizes. Não fugir do mundo, mas estabelecer relações com as pessoas. Caminhos muitos diferentes podem estar vinculados ao conceito de felicidade, tudo dependerá de como cada um construirá sua "arte de viver". Salienta que é importante ter um leque de investimentos afetivos pois tem seu risco investir numa coisa só.

De volta à reportagem, é interesssante pois aprsenta idéias que contrariam o senso comum, baseada em resultados de pesquisas realizadas em todo mundo. Afinal, o que nos faria mais felizes? Mais dinheiro? Boa educação? Ter alto nível de inteligência? Estar na juventude? Assistir TV? Ter beleza? Nada disso, segundo os estudos apresentados. Nem mesmo a saúde que, apesar de ser um aspecto importante para a qualidade de vida, aparece nas pesquisas como pouco relacionada a sensação de bem-estar subjetivo, já que muitas pessoas saudáveis não valorizam esse fato, enquanto muitos com enfermidades são capazes de se adapar a ela, sobretudo se não sentir dores. Mas é claro que muitos problemas de saúde graves que afetam a rotina dimuinuem os níveis de felicidade da pessoa.

Muitos estudos descobriram em comum dois fatores apontados como os que produzem felicidade duradoura:

1. Fortes laços afetivos com amigos e familiares: o amor que se dá e que se recebe.

2. A sensação de significado na vida: a crença em algo superior a si mesmo, relacionada à religiosidade, à espiritualidade ou a uma filosofia de vida.

Um dado curioso é que pesquisas mostram que depois de um ano o grau de felicidade de quem ganhou na loteria e de uma pessoa que sofreu um acidente que afetou sua capacidade de andar retorna quase ao nível original, anterior a esses eventos. Ou seja, apesar de algumas grandes mudanças aconteceram, seja para o que é visto como positivo ou negativo, com o tempo, acabamos nos adaptando e voltamos a nosso nível anterior basal de sensação de bem-estar. Será que isso mostra o quanto a felicidade pode não depender de eventos externos?

"Quando temos uma experiência, por melhor que seja (...)em sucessivas ocasiões, começamos rapidamente a nos adaptar, e essas experiências produzem cada vez menos satisfação." (R. Mente e Cerébro, n.223, 2011)

Será que desaprendemos a apreciar a beleza do momento com a repetição dos mesmos? A jornalista resume essa ideía: "seres humanos habituam-se muito rapidamente à mudança." Será? Podemos pensar que quando as coisas estão difíceis e lutamos por uma mudança, possa ser mais fácil se adaptar; quando as coisas estão boas e estamos nos sentindo felizes, talvez seja mais difícel aceitar mudanças que levam embora aspectos que estavam contribuindo para essa felicidade. Ou não. Tudo está envolto em uma complexidade e riqueza surpreendente.

E será que teria uma fórmula mágica para ser feliz? Apesar de concordar com Freud quando diz que cada um terá que encontrar sua própria "arte de viver", apontar fatores que possam contribuir para a felicidade podem ajudar a levar para novos caminhos, ou seja, para mudanças que podem somar para nossa satisfação com a vida.

A fórmula indicada pelos estudos comentados:

Felicidade = Genes + Condições externas + Atividades volitivas


A reportagem destaca as atividades volitivas, ações intencionais, determinadas pela vontade como as que mais podem aumentar e manter nossa satisfação com a vida. Contanto que se mantenha esforço concentrado e compromisso consistente, a pesquisa complementa: "somente atividades intencionais podem gerar mudanças sustentáveis em relação ao bem-estar." Ou seja, cabe a nós realizar mudanças para aumentar nosso bem-estar.

Pesquisas indicam caminhos que contribuem para o "hábito" de ser feliz (como transformar a felicidade num hábito?):

1. Uma lista de gratidão. Antídoto contra emoções negativas, depressão, ansiedade, solidão e excesso de crítica. Vale agradecer pelas coisas simples e belas da vida também.

2. Ioga. Uma única aula tem efeito de abaixar os níveis de cortisol - o hormônio do estresse.

3. Massagem. Reduz níveis do cortisol, aumenta níveis da serotonina (neurotransmissor do bem-estar) e da dopaminha (do prazer); melhora o funcionamento mental. E vale fazer automassagem, especialmente no rosto, pescoço, axilas, virilhas e joelhos, regiões em que se localizam linfonodos, beneficiando o corpo todo.

4. Respiração. Diante da correria do dia-a-dia, é preciso reservar um tempo para relaxar, praticar um relaxamento profundo por alguns minutos, acompanhado de uma respiração profunda.

5. Meditação. Também reduz níveis de cortisol, dimunui ansiedade, confusão, raiva e até depressão.

6. Fazer o bem. Comportamentos e emoções altruístas aliviam estresse, enxaqueca e até dores associadas a transtornos sérios como lúpus e esclerose múltipla.

7. Expressar virtudes. O psicólogo Martin Seligman e sua equipe pesquisaram os ensinamentos de filósofos, santos e mestres das religiões, além de textos dos grandes livros religiosos. Concluiram que praticamente todos falavam das mesmas virtudes: sabedoria e conhecimento; coragem; amor e humanidade; justiça; temperança (autocontrole); espiritualidade e transcendência. Em geral, ajuda escolher cerca de duas ou três características entre as virtudes fundamentais e ficar atento para praticá-las. Quando realmente há empenho na prática de nossas competências-chave, podemos experimentar o "estado de fluxo", que favorece a concentração no aqui e agora, qualquer que seja a tarefa realizada.

8. Uma meta maior. Um dos mais fortes e sutis caminhos para o bem-estar: a sensação de se dedicar a algo maior que si próprio.

Que cada um possa escolher como construir sua "Arte de Viver" e não ter medo de mudar para ser mais feliz.

O Que Vem a Ser Felicidade
(Orlando Moraes)

O que vem a ser felicidade
Toda explicação perdo o valor...
É tão claro e simples que é verdade
Quando alguém diz que invade
A fronteira do amor.

E, sem perceber leva consigo
Uma cauda aberta de pavão
Que é como um baralho sobre a mesa,
Feito um leque azul turquesa
Ventilando o coração.

Como tudo é tão diferente!
O ciúme, a dor,
O amor, a paixão...
Mas a felicidade é tudo junto,
Todo o tempo num segundo
Não explicaria nem se a flor
Viesse antes do botão.

Esse sentimento poderoso
É estado. é capital, é um país
E o que há de mais maravilhoso
É descobrir que, o tempo inteiro
Estava a um palmo do nariz

E, todo o percurso transcorrido,
Leva-nos a ser contidos
Quando tudo é explosão
Porque a felicidade é um rio denso
E precisa de silêncio
Pra falar ao coração.

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